Um Natal bem constrangedor
"Trocados", aposta natalina da Netflix, é um filme pra tiozão que ainda se inspira em American Pie e Blink-182
Continuando a newsletter de ontem, que você pode encontrar aqui, a invasão natalina começou nas plataformas de streaming. Só nesta sexta-feira, dia em que escrevo este texto, a Netflix lançou outros seis filmes natalinos e o Star+ mais três.
Enquanto a Amazon aposta pesado em “A Batalha de Natal”, a Netflix deposita suas fichas em outras apostas genéricas, filmes já feitos para canais americanos de TV aberta e de qualidade sempre muito duvidosa, mas também em “Trocados”, sua grande produção do gênero.
Dirigido por McG, um projeto de Michael Bay que não deu certo, e estrelado pela dupla Jennifer Garner e Ed Helms, “Trocados” mistura duas fórmulas, a dos filmes de Natal e a dos de troca de corpo.
No filme, os Walker vivem uma semana agitada. Jess (Jenniger Garner) tem que apresentar um projeto que pode torná-la a primeira sócia mulher do escritório de arquitetura em que trabalha; Bill (Ed Helms) tem uma apresentação importante marcada com sua banda, Dad or Alive (o nome é bom, vai…) – e fica a observação de que a banda dele é composta por todos os integrantes do Weezer.
Enquanto isso, os filhos também têm compromissos importantes. CC (Emma Meyers), uma craque de futebol que sonha alto, tem um jogo que pode levá-la à seleção americana; já Wyatt (Brady Noon) tem uma apresentação que pode garantir sua entrada na renomada universidade de Yale.
Acontece que, após um acidente durante a fotografia oficial de Natal da família, os pais trocam de corpos com seus filhos. E agora, o que será daqueles compromissos tão importantes?
“Trocados” ousa pouco e nunca leva suas fórmulas ao limite. McG faz uma direção burocrática (como se espera dele) e o roteiro caminha sempre por águas seguras. Há momentos constrangedores, piadas com escatologia que indicam o público-alvo do filme,os eternos adolescentes fãs de “American Pie” e Blink-182, um público com o qual McG, do alto de seus 55 anos, talvez dialogue bem.
O filme até funciona razoavelmente bem, mesmo que de maneira totalmente artificial, ao colocar os jovens no lugar dos adultos. É também neste momento em que ele se assume, de fato, como um filme de “tiozão”. A grande lição natalina do filme é fazer com que os filhos enxerguem seus pais de maneira diferente, conhecendo todo o sacrifício para criá-los de maneira que talvez não considerem ideal, mas, ainda assim, com dignidade.
Os adultos, no corpo dos jovens, mais ensinam que aprendem, tornando o filme uma espécie de carta de pais para filhos dizendo “você pode não entender, mas tudo o que eu faço é sempre pelo seu bem”. É nesse arco de uma família em busca de se reconectar, de compreensão mútua, que “Trocados” se torna um filme de Natal com direito até a um espírito natalino que aparece sempre que o filme – e os Walker – se encontram sem saídas.
“Trocados”, dependendo da boa vontade de quem o assiste, pode ser uma experiência constrangedora, um filme que talvez seja melhor consumido enquanto o adulto com alma adolescente passa um pano molhado no chão da sala e imagina como tudo era melhor quando ele era jovem. Essa sensação é reforçada no número musical ao final do filme, quando todos os problemas parecem se resolver com uma versão rock de uma música natalina.
Constrangedor e com piadas bem questionáveis, mesmo que Ed Helms e Jennifer Garner até se esforcem, “Trocados” é um filme de “tiozão”, uma obra que espelha seu diretor de forma não-intencional. McG provavelmente só aceitou o filme para pagar as contas de fim de ano e sem nenhuma intenção de fazer um filme autoral. Antes alardeado como um possível diretor de blockbusters, o cineasta agora paga o preço por suas escolhas com filmes natalinos de qualidade duvidosa.
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