Uma dramédia com potencial para se tornar um clássico
"Crescendo Juntas", da HBO Max, é um filme encantador e divertido, mas que mexe com sentimentos profundos
O genérico título brasileiro do ótimo “Are You There God? It’s Me, Margaret” tira boa parte da ironia do filme de Kelly Freemont Craig, ignorado pelos cinemas brasileiros, mas agora disponibilizado pela HBO Max com o título “Crescendo Juntas”. Baseado no romance de Judy Blume, por aqui intitulado “Ei, Deus, está aí? Sou eu, a Margaret”, o filme é uma delicada e divertida jornada pelo início da adolescência de Margaret (Abby Ryder Fortson), da mudança de Nova York para o um subúrbio de Nova Jersey, com todas as novidades que a vida traz durante esse período.
O filme tem início em 1970, com Margaret retornando para casa após uma colônia de férias daquelas bem americanas, em acampamentos, com casa no lago, etc. Ela é recebida por sua mãe, Barbara (Rachel McAdams), e algumas novidades; a família agora tem um carro e seu pai, Herb (Benny Safdie) foi promovido, o que é bom, mas eles também estão de mudança para o outro lado do rio Hudson.
Chegando lá, Margaret logo conhece Nancy (Elle Graham), uma vizinha muito pra frente que a inclui em seu grupo “super seleto” de amigas. Juntas, as meninas entre onze e doze anos falam sobre meninos, mentem sobre experiências, falam das vidas alheias e, claro, falam sobre meninos.
O filme se distancia do material original, ampliando o texto de Judy Blume de forma muito interessante. O fato de ser escrito e dirigido por uma mulher torna “Crescendo Juntas’ algo único, uma história de intimidade que talvez pareça simples, apenas mais uma trama de amadurecimento, mas vai além.
Margaret é filha de pai judeu e mãe católica, mas sua família abdicou de suas relações com a religião (e até com alguns parentes) para que a jovem pudesse crescer livre dessas amarras. O questionamento do título original é justamente a protagonista se questionando acerca da existência ou não de um deus, qualquer um – a figura divina é tratada no filme como algo que a protagonista aprende a lidar, como um sutiã ou um absorvente, e ela ainda não precisa de nenhum deles.
A Margaret de Abby Ryder Foston nunca é uma pré-adolescente irritante, ao contrário de algumas de suas amigas, tornando o filma uma experiência agradável para um público mais amplo de pessoas que ainda se recordam das dores desse processo de formação, de construção de uma identidade. A atriz, um pouco mais velha que a personagem, entende bem sua personagem, o que ela precisa fazer, a maneira como vê o mundo e, principalmente, sua relação com os pais. Enquanto Herb tem pouco espaço, Barbara ganha relevância e um arco próprio para mostrar quem é e o quanto isso reflete na criação de Margaret.
A escolha do texto de Freemont Craig e Blume de fugir de dramas convencionais desse tipo de filme é muito acertada, nos permitindo momentos de encantamento com a vida de Margaret. Ao invés de depositar todo conflito no confronto geracional simbolizando mudanças sociais, “Crescendo Juntas” opta pela sutileza, por confrontar relações familiares em momentos-chave, como a primeira menstruação de duas das personagens principais e a relação de suas mães.
“Crescendo Juntas” é um filme que parece simples, mas que, em suas camadas, diálogos inteligentes e piadas, esconde delicadezas, traumas e descobertas. Além disso, é um filme em que crianças se permitem ser crianças, sem ter que lidar com dramas que não são seus, e uma obra que desperta a emoção sem usar a muleta da nostalgia.
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Exatamente como no texto! 😊
Excelente!!!!!