Uma das melhores séries de 2023 (e mais 3 dicas)
"Carol & o Fim do Mundo" pergunta: o que você faria antes do fim?
“Meu amor / O que você faria se só te restasse um dia? / Se o mundo fosse acabar / Me diz, o que você faria?”, pergunta Paulinho Moska em “O Último Dia”, antes de emendar algumas possíveis respostas: “Andava pelado na chuva? Corria no meio da rua? Entrava de roupa no mar? Trepava sem camisinha?”, entre outras possibilidades.
“Carol & O Fim do Mundo”, minissérie em animação da Netflix, faz uma pergunta parecida à do cantor brasileiro: o que você faria se o mundo fosse acabar em sete meses e 13 dias?
Em dez episódios de meia hora cada, a série acompanha Carol (Martha Kelly) nessa contagem regressiva para o fim do mundo. Enquanto todo mundo se diverte, viaja, transa à vontade e vive em festas, Carol está preocupada em manter uma espécie de rotina – ela tenta, sem sucesso, pagar sua fatura de cartão de crédito, mesmo já tendo sido informada, mais de uma vez, que todas as dívidas foram perdoadas.
A série criada por Dan Guterman, roteirista de obras como “Rick & Morty” e “Community”, usa o primeiro episódio como uma bem-vinda introdução àquele universo. Pouco se sabe o motivo do fim além de um “planeta” em rota de colisão com a Terra, algo muito similar ao que acontece no ótimo “Melancolia”, de Lars Von Trier. A preocupação do texto é com os personagens, é fazer com que o espectador entenda as motivações de Carol.
Aos 42 anos, Carol é uma pessoa de hábitos, com uma rotina bem estabelecida. Enquanto seus pais nem mais se preocupam em vestir roupas e vivem um trisal apimentado com o cuidador deles, sua irmã viaja o mundo, mas Carol apenas deseja que sua antiga rotina de acordar, ir trabalhar e passar numa Applebee`s depois do expediente permanecesse intacta. Tudo muda ao final do primeiro episódio, quando a protagonista encontra pessoas que vivem o seu sonho e a série, de fato, tem início.
Carol não quer se destacar em nada, ela apenas quer viver a rotina, ser uma burocrata sem grandes ambições, é sua escolha e ela está cansada de ser julgada por isso. Essa construção é curiosa e tem sua profundidade nos detalhes; ao falar da irmã, que sempre fez o que quer e agora vive bebendo, pulando de paraquedas e festejando mundo afora, Carol a define como “ela sempre faz o que quer. Eu sempre faço o que todos fazem”. Pela primeira vez na vida, então, Carol sente o gosto de ser a minoria, de ser a diferente, de não se encaixar em um padrão socialmente esperado, e ela gosta disso.
A criação do universo da série é bem interessante – num mundo basicamente sem regras, pois ninguém se importa, o exército toma conta dos supermercados com direito a tanques na frente das lojas e soldados armados com fuzis no caixa. Apesar disso, há programas jornalísticos na TV e uma estrutura em funcionamento na cidade (que nunca é revelada).
Não é difícil entender “Carol & o Fim do Mundo” como uma alegoria para a pandemia de Covid-19, com um texto que potencializa tudo aquilo que vivemos em um passado muito recente, mas a série busca mais. Quando a protagonista “se encontra”, ela constrói um núcleo social, uma família “escolhida” e composta por pessoas que se importam com ela mais do que com o fim do mundo. Ao fim, é sobre afeto e pertencimento.
“Carol & o Fim do Mundo” funciona muito bem justamente por se dedicar aos personagens e seus sentimentos. Há alguns arcos descartáveis, como o de Eric, mas a série também se aprofunda em Donna e entrega um de seus melhores episódios quando centrado nela.
É quase poética a maneira como a série da Netflix utiliza o silêncio como parte da cena. O roteiro nem sempre opta pelos diálogos, pois nem sempre Carol tem com quem tê-los, e, assim, deixa seus personagens muito tempo em silêncio. Em contrapartida, toda a construção de ambiente traz informações sobre aquele universo – o comportamento das pessoas ao redor, o estado da cidade ou uma loja de material de escritório que não tem mais nada. Tudo, ao fim, é parte da narrativa.
Uma das melhores séries de 2023, “Carol & O Fim do Mundo” é uma crônica sobre a meia-idade, sobre o momento em que nos perguntamos “o que somos além do trabalho que realizamos há anos? E se isso acabar, o que resta de nós? Aquelas pessoas com quem passamos dias, meses, anos inteiros ainda são nossas amigas ou é tudo uma relação profissional?”.
DICAS
1 - Guerra Fria (Amazon Prime Video)
Indicado a três Oscar em 2019, o filme polonês de Pawel Pawlikowski é belíssimo. O filme acompanha um diretor que se apaixona por uma cantora e tenta convencê-la a trocar a Polônia comunista pela França. Inspirada pela história real dos pais do diretor, o filme é uma das mais belas histórias de amor impossível recentes do cinema.
2 - O Leitor (Netflix e Amazon Prime Video)
Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Kate Winslet), “O Leitor” é mais uma história de amor impossível com ares históricos. Após o fim da Segunda Guerra, um estudante de direito que se depara com uma antiga paixão durante um julgamento por crimes cometidos pelos nazistas. Bonito, não-convencional e bem pesado.
3 - Medo da Verdade (Netflix)
O suspense dirigido por Ben Affleck traz detetives investigando o desaparecimento de uma criança. Baseado no livro de Dennis Lehane (“Sobre Meninos e Lobos”, “Ilha do Medo”), o filme é um dos melhores suspenses policiais dos últimos anos. Você não vai se arrepender de clicar nele.
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Legal as dicas!! Hj estou longe das telas!! Um descanso! Segunda voltoe seguirei as dicas.
Muito bom medo da verdade! Valeu! 😉