Toda Luz que Não Podemos Ver derrapa na falta de emoção
Melodrama de guerra da Netflix é bem feito, mas falta carga emocional e desenvolvimento
Lançado em 2014, “Toda Luz que Não Podemos Ver”, do estadunidense Anthony Doerr, foi um sucesso de vendas do “New York Times”, um feito considerável, sim, mas também um alcançado por vários livros de qualidade questionável. No ano seguinte, porém, o romance baseado na Segunda Guerra ganhou prêmio Pulitzer de Ficção, esse sim um grande feito. O livro abrange um período de dez anos e desenvolve Marie e Werner, seus protagonistas, desde a infância, transformando o texto em uma grande saga e aproximando o leitor daqueles personagens.
“Toda Luz que Não Podemos Ver”, minissérie lançada pela Netflix, encurta caminhos. A série tem início nos dias finais da Segunda Guerra, quando os moradores da pequena Saint Malo, cidade francesa ocupada pela Alemanha, já aguardam as chegadas dos americanos para expulsar as tropas de Hitler. É neste recorte que conhecemos Marie (Aria Mia Loberti), uma jovem cega que faz transmissões clandestinas de rádio em busca do pai e do tio desaparecidos, mas também lendo trechos de livros como “Vinte Mil Léguas Submarinas”, de Júlio Verne. Do outro lado da transmissão, o soldado alemão Werner Pfenning (Louis Hoffman, de “Dark”) ouve a tudo, encantado, e se pergunta quem é aquela pessoa. Os caminhos dos dois, claro, se encontrarão, mas não antes de muitos percalços.
“Toda Luz que Não Podemos Ver” é uma superprodução e deixa isso bem claro. A reconstrução histórica funciona bem e consegue dar ao público a real dimensão do recorte e da destruição causada pelo conflito – no episódio final, quando a série alcança seu suposto ápice, o nível de produção novamente é um grande mérito. Apesar disso, a série produzida por Steven Knight (“Peaky Blinders”) e Shawn Levy (“Projeto Adam”), não carrega do livro sua maior qualidade, a capacidade de emocionar.
A série tenta, muito, mas sua falta de emoção é uma consequência de algumas escolhas. Em quatro episódios, parece faltar tempo para o texto desenvolver Marie e Werner e construir no espectador a expectativa do encontro entre eles. É curioso, assim, que a série pareça ser mais longa do que de fato é – o roteiro opta por alguns flashbacks para explicar alguns de seus conceitos, como o porquê de Marie ser procurada pelos nazistas, e também para que o público não desgoste de Werner, um soldado nazista. A série gasta muito mais tempo nessa construção, mostrando como Werner (e milhares de outros jovens) não tiveram outra opção além de entrar para o exército de Hitler, do que se preocupando ele e Marie sejam vistos como um casal, como um encontro a ser aguardado.
Isso não significa que a minissérie seja ruim, pois não é. Com um elenco de apoio excelente, comandado por Hugh Laurie (“House”) e Mark Ruffalo (“Vingadores”), “Toda Luz que Não Podemos Ver” tem bons momentos e alguma tensão. A série é um grande melodrama e nunca tem vergonha de pesar a mão como recurso narrativo, essa emoção, porém, dificilmente chega – quando há uma outra escolha mais “ousada” (as aspas são importantes), é possível notar sua chegada de longe. Quando tem real carga dramática, como no arco do pai de Marie, a série parece tirar o peso de suas escolhas, nunca explorando devidamente os acontecimentos.
“Toda Luz que Não Podemos Ver” opta, ainda, por um final seguro e confortável, deixando de fora escolhas importantes do livro, que parece entender melhor o peso de uma guerra enquanto a série da Netflix opta por personalizar o conflito nas figuras dos protagonistas.
Falta desenvolvimento de personagens e situações ao roteiro adaptado por Steven Knight, algo que convença o espectador de um amor impossível construído ao longo de anos, à distância, baseado na esperança. “Toda Luz que Não Podemos Ver” não é incrível, mas deve funcionar com um público ávido por um melodrama.
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Gostei do filme! 😉