'Succession' é espetacular ou puro hype?
Vencedora do Globo de Ouro, "Succession" é aclamada por crítica e público. O que justifica o sucesso da série da HBO?
Eu entendo uma preguiça inicial com “Succession”. Mesmo vendo diversos elogios à série durante as duas primeiras temporadas, a premissa me parecia desinteressante: uma família bilionária, dona de um grande conglomerado de mídia, às voltas com problemas de sucessão à medida que o patriarca, Logan Roy (Brian Cox), se aproxima da aposentadoria ou da morte, o que chegar primeiro. Foi só por motivos profissionais, pouco antes da estreia da terceira temporada, que assisti às duas primeiras e me perguntei: por que não fiz isso antes?
A primeira impressão, admito, talvez não seja das melhores. Os Roy pareciam todos odiáveis e seus dramas eram completamente distantes da minha realidade. Insisti e, aos poucos, percebi uma mudança de tom interessante; Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook), Roman (Kieran Culkin) e Connor (Alan Ruck) continuam odiáveis, mas ganham desenvolvimento e profundidade quando os conhecemos melhor e entendemos que, na verdade, “Succession” é uma história sobre pessoas.
O grande mérito da série criada por Jesse Armstrong, uma das grandes vencedoras do Globo de Ouro deste ano, é colocar o espectador dentro da história como uma espécie de observador. As câmeras na mão, sempre próxima das situações, com zoom para destacar expressões e reações em cada cenário até causam estranheza - quem recebe a mensagem muitas vezes tem mais importância narrativa do que quem a transmite. Uma busca no Google aponta para espectadores reclamando de um certo enjoo causado pela técnica. Um óbvio exagero.
A série pega algumas características estéticas emprestadas dos dramalhões novelescos tipo “Dallas” e a contemporânea “Yellowstone”, também sobre milionários. Os closes são utilizados para reforçar o drama, muitas vezes contando ainda com a aproximação do já citado zoom e o reforço da trilha sonora marcante de Nicholas Britell, compositor três vezes indicado ao Oscar (“Up”, “Moonlight” e “Se a Rua Beale Falasse”). É interessante notar as mudanças da trilha de uma temporada para a outra, como se fossem partes distintas de uma sinfonia que acompanha o espetáculo da vida dos Roy.
“Succession” tem qualidade técnica de cinema, algo comum nas produções antigas da HBO, e atuações que acompanham o nível. Brian Cox é impecável como o patriarca da família Roy; distante, frio, calculista e implacável. Entre os filhos, Jeremy Strong é o que tem a atuação de mais profundidade. Seu Kendall, como um típico cocainômano, vive uma montanha-russa de emoções que vai da mais pura confiança à fragilidade emocional e faz dele talvez o personagem mais complexo da história, mas longe de ser o único interessante.
Roman (Kieran Culkin), o caçula, é mimado, meio pervertido e sem o menor jeito para os negócios, mas ambicioso e desesperado pela aprovação de Logan. É um personagem inicialmente irritante, mas talvez o mais carismático e interessante da série. O primogênito dos Roy, Connor (Alan Ruck), nunca é levado muito a sério pelo texto e é motivo de piadas na família ao assumir a postura de herdeiro milionário e, posteriormente, de representante de um discurso político de ultradireita e conspiracionista.
Shiv (Sarah Snook), é outra história… Ela é a única entre os quatro filhos de Logan que se distanciou das empresas da família; fazendo carreira como consultora política, ela sonha com voos mais altos e, por isso, se mostra como a única realmente capaz de assumir o posto do pai - mas o mundo empresarial ainda é um ambiente machista. É curioso, assim, seu relacionamento com o inicialmente frágil e caricato Tom (Matthew Macfadyen), que funciona como alívio cômico saído diretamente de “The Office”, mas que se desenvolve como parte essencial da trama quando a série se aproxima do fim.
É também na relação com Tom que nós, espectadores, vamos gradualmente entrando na história. O personagem cria uma relação com o primo Greg (Nicholaus Braun), o grande novato naquela trama toda e o representante do público na história. É pelo olhar de Greg que entendemos as dinâmicas da empresa e da família.
Se você já pensou em assistir a “Succession” após tanta gente falar bem da série, ou até se já começou e desistiu, dê mais uma chance. Após os primeiros episódios, a série acelera e ganha diversas camadas que chegam de forma natural, nunca empurradas goela abaixo do espectador. A série é um espetáculo de edição e montagem - sem grandes pirotecnias, ela funciona a favor da história e frequentemente foca na reação dos receptores ao invés de dar atenção a quem fala.
Ao fim de suas quatro temporadas, “Succession” é uma grande trama shakespeariana sobre família, traição e ambição. Saem reis e rainhas e entram seus equivalentes de hoje, os ultramilionários. É uma série séria, mas capaz de divertir e até de emocionar, além de oferecer um interessante mergulho quase documental no mundo de influência, dinheiro e política.
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