Scott Pilgrim: Série da Netflix é genial
"Scott Pilgrim: A Série" traz lutas divertidas, diálogos inteligentes e bons questionamentos com uma nova história de Bryan Lee O'Malley
O canadense Bryan Lee O’Maley tinha 24 anos quando começou a escrever a HQ “Scott Pilgrim”. Foram seis volumes lançados (no Brasil foram três livros), entre 2004 e 2010, ano que também viu nascer o excelente, “Scott Pilgrim Contra o Mundo”, adaptação para os cinemas do material original. Dirigido por um então ascendente Edgar Wright (“Todo Mundo Quase Morto”, “Chumbo Grosso”), o filme é uma experiência única – estranho, divertido e profundo. Era um filme alguns bons anos à frente de seu tempo e, apesar das excelentes críticas, ele não foi bem de bilheteria, acabando relegado a ser uma obra “cult”, o que é um desperdício para uma obra de um potencial pop gigantesco.
Além de ter virado um divertido jogo para consoles, “Scott Pilgrim Contra o Mundo” teve vida longa nas redes sociais e no boca a boca, o que lhe rendeu longevidade. Quando o trailer de “Scott Pilgrim: A Série” foi inicialmente divulgado pela Netflix, tudo era muito familiar, era como se a estética dos quadrinhos e do jogo se misturasse à narrativa do filme, mas sem nenhuma novidade textual. Qual seria a necessidade de se recontar aquela história, apenas em uma mídia diferente?
“Scott Pilgrim: A Série” é uma excelente surpresa. Em oito episódios, a animação no estilo anime da Netflix é familiar, mas também é um produto totalmente novo. Sim, a série tem início quando o jovem Scott Pilgrim (Michael Cera) sonha com a misteriosa garota de patins e cabelo arco-íris antes de acordar morando de favor na casa do amigo Wallace (Kieran Culkin). Aos 23 anos, Scott mora de favor, tem uma banda (The Sex Bob-Omb) que não existe e está prestes a iniciar um relacionamento com a adolescente Knives Chau (Elle Wong), mas tudo muda quando ele conhece Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead), a tal garota dos seus sonhos. Após o início praticamente idêntico ao do filme, a série da Netflix toma liberdades que mudam todo o rumo da história de Scott Pilgrim.
Tendo escrito o personagem entre os 24 e os 30 anos, O’Malley, aos 44, tem plena ciência de que nem tudo envelheceu bem, e olha que a HQ passa longe de ser uma história “problemática”. A série da Netflix, assim, é um acerto de contas – o autor/roteirista mantém tudo o que foi feito anteriormente, mas também conta uma história nova, algo difícil de explicar sem entrar em alguns spoilers comprometedores.
“Scott Pilgrim: A Série” é cheio de autorreferências ao universo de O’Malley e ao filme de Edgar Wright, com algumas de suas melhores piadas residindo nessas situações. Isso talvez afaste um público que não assistiu ao filme ou leu a HQ, mas transforma a série em um deleite para qualquer um que tenha afeto ao que já foi feito.
O texto segue por caminhos inesperados e surreais, com experimentos narrativos até bem ousados que tiram o espectador do conforto e da ideia de que talvez já soubessem o que iria acontecer. A narrativa em série, mesmo com episódios curtos, dá a alguns personagens mais tempo de desenvolvimento, principalmente aos antes rivais de Scott, que ganham profundidade e até alguns arcos individuais.
A série acerta muito em trazer de volta todos os atores do filme, tornando tudo familiar, mesmo que não o seja. É interessante, ainda, como “Scott Pilgrim: A Série” busca manter-se dentro da linguagem do filme de Edgar Wright, mesmo que a animação oferecesse mais possibilidades – a ideia é trabalhar o conforto e depois subvertê-lo, surpreendendo o espectador. Além das músicas do Sex Bob-Omb, a série traz de volta também a banda nova-iorquina Anamanaguchi, autora da trilha sonora do jogo, e se conecta reconecta com ele, com a estética dos jogos de 8-bit que ganha espaço em determinado momento do lançamento da Netflix.
Ao se reconectar com Scott, O’Malley, que passou um divórcio anos depois do lançamento das HQs, busca uma de jornada de autoconhecimento, como se perguntasse ao espectador “você é aos 44 a mesma pessoa que era aos 24?”. Scott Pilgrim é um homem imaturo, toca em uma banda alternativa não levada a sério e não está pronto para a vida adulta (nem quer estar), mas é na fantasia de enfrentar os sete ex de Ramona que ele se encontra, se sente importante. O personagem quase uma resposta do autor às pessoas que se deram bem já jovens enquanto ele ainda tentava viver de arte, de fantasia.
“Scott Pilgrim: A Série” é uma carta de amor à arte, mas é também uma carta do Bryan O’Malley de 2023 ao de 2004. Em meio a inteligentes diálogos, lutas divertidíssimas e alguns episódios hilários, a série lida com questões sérias (sem nunca parecer assim), como a dor do fim de um relacionamento. Se a relação chega ao fim, ela deu certo? Valeu a pena ter vivido todos aqueles bons momentos se eles depois se transformarem em dolorosas cicatrizes?
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