"Rebel Moon" beira a atrocidade
Ficção científica genérica, com diálogos ruins e computação gráfica de qualidade duvidosa, filme da Netflix é um dos piores de 2023
(Nota do editor: este texto deveria ter sido enviado no sábado, 23, mas, por motivos pessoais e de saúde do autor, acabou sendo postergado. Peço desculpas)
Em todos meus anos de jornalismo e crítica de cinema/séries, eu nunca fiz isso, mas desconfie de qualquer crítico/influenciador que disser que “Rebel Moon” é um bom filme. Lançado pela Netflix e dirigido pelo cultuado/odiado Zack Snyder, o filme beira a atrocidade.
“Rebel Moon” nasceu de uma ideia que Snyder teve para uma trilogia no universo “Star Wars”, mas que, por motivos que ficam claros para qualquer um que veja o filme, nunca foi para frente. Após a rejeição por parte da Lucas Arts/Disney, Snyder tentou vender sua ideia para várias plataformas – poderia ter sido uma série ou um jogo, mas acabou sendo apenas um filme muito ruim na Netflix.
‘Rebel Moon” é uma ópera espacial sem nenhuma preocupação com a contextualização. Quando o filme tem início, uma breve introdução narrada pelo robô Jimmy (Anthony Hopkins) faz as vezes do “há muito, muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante…”. A ideia de simplesmente colocar o espectador no meio da história pode ter resultados diferentes, e tudo depende de quão envolvente é o resto daquele universo. Pode-se ter um clássico que atravessa gerações gerando milhões, ou pode se ter “Rebel Moon”.
Snyder apresenta seu universo “governado por um governo brutal e totalitário comandado pelo Mundo-mãe em que mil reis governaram incontestados em sucessão”, uma ideia emprestada de Isaac Asimov, diga-se de passagem…
Acontece que ânsia da linhagem real por poder esgotou os recursos do planeta, fazendo com que os exércitos do Mundo-mãe vasculhassem o espaço em busca de planetas com recursos a serem explorados. Com o fim da linhagem real, e o surgimento de alguns focos revolucionários, um político deu um golpe de estado para assumir como regente e exterminar todos os rebeldes.
É o momento em que a nave capitaneada pelo almirante Atticus Noble (Ed Skrein, que ao menos parece se divertir) chega à pequena lua de Veldt, uma colônia agrícola de cultura meio nórdica e casa de Kora (Sofia Boutella), nossa heroína, uma “filha da guerra” incapaz de “amar ou ser amada”. Essa tentativa de aprofundamento inicial da personagem é realizada de maneira constrangedora em um quase monólogo que não faz sentido algum se minimamente analisado.
É curioso que qualquer cineasta/roteirista mais inteligente teria guardado essa informação por mais tempo, como surpresa, espalhando dicas pelo filme até a virada para o terceiro, mas não Zack Snyder… O cineasta, nunca afeito a sutilezas, precisa deixar claro que ele não tem uma fazendeira em mãos, mas uma ex-soldado de alto escalão do Reino que ainda sofre com traumas de guerra, uma espécie de John Rambo espacial.
Zack Snyder é um cineasta autoral e imprime sua assinatura no sucesso da Netflix. Mais uma vez, ele recorre a vícios de texto como a figura do predador gay (na cena da cantina) ou uma tentativa de estupro (na primeira cena de ação) para desenvolver personagens. Em sua primeira metade, o filme abusa de flashbacks para Kora e de diálogos horríveis, cheios de exposição, para tentar envolver o espectador.
Os vícios de estilo também se fazem presente, como as já características câmeras lentas de Snyder. Mesmo que eu não seja um dos maiores críticos da utilização desse recurso pelo cineasta, há de se admitir o excesso e que às vezes parece que a câmera lenta é a única técnica do diretor para dar impacto ou estilo às suas cenas. Mesmo para uma ópera espacial, o excesso de computação gráfica, nem sempre de boa qualidade, incomoda muito mais que as câmeras lentas (e às vezes a câmera lenta dentro da câmera lenta…) – e falamos aqui de uma quantidade ao estilo (e qualidade) “Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania”. Vale ressaltar que Zack Snyder é também o diretor de fotografia do filme, ou seja, a culpa é quase toda dele, que divide os créditos com a editora Dody Dorn para um filme mal fotografado e muito mal montado.
É muito fácil enxergar “Rebel Moon” como um jogo, e talvez seja essa a mídia que melhor faria proveito do texto do filme. Os arcos, pequenos, são apresentados como missões do estilo “recrute alguém”, “converse com fulano”, “monte a fera”, e a cada conclusão há um “desenvolvimento” maior de Kora e seus parceiros, como em uma cut-scene. O grande problema não é a estrutura, mas a brevidade das tais missões, que nunca têm o peso ou a grandiosidade esperada pelo texto.
Essa ambição pela grandiosidade, por algo “épico”, é talvez o maior dos muitos males de “Rebel Moon”. A trilha sonora de Tom Holkenborg, colaborador habitual de Snyder, mas também responsável por “Mad Max: Estrada da Fúria”, por exemplo, busca essa grandeza em todas as cenas, mas nunca há tempo para que o espectador de fato a sinta.
“Rebel Moon” é a cara do que Zack Snyder se tornou, um exagero. O diretor volta à palheta escura de seus filmes no universo DC (o que ajuda a esconder efeitos ruins) e mostra preferir repetir vícios e clichês a trabalhar as poucas boas ideias do filme. Assim, nem algumas boas cenas de ação com ângulos diferentes e “cheias de estilo” (leia: câmera lenta) salvam a primeira parte de sua alardeada ópera espacial que, ao fim, parece realizada às pressas, num apanhadão de referências.
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