Quanto pesa um trauma?
Série sueca "Uma Família Quase Perfeita" lida com um trauma adolescente e seus reflexos durante a vida de uma jovem
Qual o peso de um trauma no resto de nossas vidas? O quanto uma experiência traumática na adolescência pode nos moldar para a vida adulta? “Uma Família Quase Perfeita”, minissérie sueca da Netflix, lida com o assunto em seis episódios que resultam em um bom drama com algum suspense.
Baseada no livro homônimo de Mattias Edvardsson (lançado no Brasil pela editora Suma), a série tem início quando Stella (Alexandra Karlsson Tyrefors) tem 15 anos e está prestes a viajar com seu time de handebol. Durante a viagem, ela tem uma experiência que mudará sua vida – Stella conta para seus pais, que escolhem lidar com o acontecimento de maneira que julgam desgastar menos a filha.
Quatro anos depois, a família seguiu a vida na pequena cidade de Lund, mas Stella largou os estudos e resolveu trabalhar em um café para juntar dinheiro para viajar; isso, claro, a contragosto dos pais, que queriam vê-la como as amigas, na universidade. Tudo muda quando a jovem conhece o Chris (Christian Fandango Sundgren), um bonitão, mais velho, que anda pela cidade em um Porsche e tem um papinho bem mole de bom moço – ela, claro, se derrete por ele. Um dia, porém, Stella é presa acusada de homicídio. O que teria acontecido?
“Uma Família Quase Perfeita” é muito eficaz em seu início, com arcos separados para que o espectador conheça a dinâmica familiar. Assim, Ulrika (Lo Kauppi) e Adam (Björn Bengtsson), pai e mãe de Stella, ganham breves arcos individuais nos primeiros episódios. Esse recurso ajuda o espectador a entender que o trauma de Stella afetou toda a família, pois teriam eles feito a escolha correta quatro anos atrás?
Como o título já entrega, o texto busca a desconstrução dessa imagem de família perfeita. Na primeira sequência após a introdução, enquanto Ulrika, Adam e Stella se preparam para tirar uma foto, vemos a imagem de cabeça para baixo, um contraste com a sensação transmitida pela fotografia. É curioso como a série consegue essa meta no início, com os tais arcos paralelos, mas logo abandona o recurso para focar no drama judiciário de Stella.
Para construir o cenário aos poucos, a série faz algumas idas e vindas no tempo, com algumas cenas sendo assistidas por nós pelo olhar de outro personagem. Isso ajuda o espectador a juntar as peças, montar o quebra-cabeças e criar suas próprias teorias, mas “Uma Família Quase Perfeita” é um texto bem mais simples do que se faz parecer.
Quando os acontecimentos realmente começam a ser desvendados, somos reconduzidos ao posto de espectador. Apesar de possibilitar a criação imediata de algumas teorias, não se trata de uma série que cria mistérios e nos convida a investigá-los, mas de uma obra que, confiando em seu potencial, nos convida apreciá-lo.
“Uma Família Quase Perfeita” lida com o peso do trauma, mas também transita pelas relações familiares e, principalmente, pelos relacionamentos tóxicos. Quando Stella começa a se relacionar com Chris, há vários alertas percebidos por quem cerca a jovem, como a amiga Amina (Melisa Ferhatovic), mas ela, encantada, ignora. É quase sádico e até meio pesado ver a jovem se aprofundar em um relacionamento quando o espectador já percebe haver algo errado, a talvez até Stella perceba, mas o quanto dessa relação não é seu trauma no comando?
Ao fim, “Uma Família Quase Perfeita” peca ao abandonar a narrativa individual dos personagens em função de algo mais convencional, mas ainda assim entrega uma história tensa, com uma recompensa no final, e com a qual é possível o espectador se relacionar.
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Gostei do texto. Vou ver!