Polêmico ou não, 'Saltburn' é um bom filme
Lançado pelo Prime Video, filme de Emerald Fennell ("Bela Vingança") foi catapultado por "polêmica" que ofusca um estiloso suspense
Atriz de destaque apenas moderado (ela é a Camilla Parker Bowles em “The Crown”), Emerald Fennell ganhou destaque ao escrever episódios da ótima “Killing Eve”. Foram seus textos para a premiada série que deram a ela crédito para um projeto maior, “Bela Vingança”. Vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original em 2021 e indicado em outras quatro categorias, o filme estrelado por Carey Mulligan não é perfeito, mas tem estilo e identidade o suficiente para merecer o destaque que teve. Isso colocou Fennell na ótima (mas complicada) posição de ter todas as atenções da indústria voltadas para seu próximo projeto.
Com passagem de um mês pelos cinemas americanos e agora lançado pela Amazon Prime Video como um filme “polêmico”, “Saltburn” é exatamente o que eu esperava de um filme da cineasta. Responsável também pelo roteiro, Fennell busca a assinatura do cinema autoral, para se filmar como tal e, mesmo esbarrando no que podem julgar ser excessos, é justamente nessa característica que o filme tem seus pontos altos.
“Saltburn” é a história de Oliver (Barry Keoghan) um jovem peculiar que chega à universidade de Oxford sem amigos e logo coloca o olho no popular bonitão Felix (Jacob Elordi). Quando o acaso cruza o caminho dos dois, uma forte amizade se forma entre o menino de Liverpool, uma cidade de tradição operária, e o jovem de família nobre, aristocrata, dona de propriedades e castelos no campo. Quando Oliver passa por mais um abalo familiar, Felix o convida para passar o verão na propriedade de sua família, devidamente nomeada Saltburn.
É neste ponto que o filme começa, de fato, a se desenrolar e também em que nos aproximamos dos personagens. Oliver nutre um desejo por Felix, mas parece interessado mesmo é em tudo o que o cerca. A comparação com “O Talentoso Mr. Ripley” vai da composição visual do protagonista ao desenrolar do suspense – Oliver tem um talento para a manipulação e para ler o ambiente. Assim, ele logo entende o que tem que fazer para pertencer àquele mundo, um ambiente no qual Eslpeth (Rosamund Pike), mãe de Felix, conta histórias de seus dias de festa ao lado de Oasis, Blur e Pulp, e no qual nem sabem em que região da Inglaterra fica Liverpool.
“Saltburn” brilha à medida que Oliver se revela, na maneira como ele manipula todos a seu redor, principalmente Eslpeth e Venetia (Alison Oliver). O protagonista entende que é tudo ou nada e o filme se transforma em uma escalada de risco que tem Felix como prêmio.
Fennell e o diretor de fotografia Linus Sandgren (“La La Land”) fazem escolhas interessantes. A primeira delas é a dimensão de tela em 4:3, no padrão “quadrado” de TVs antigas, que dá ao filme a sensação de estarmos sempre enxergando tudo por um buraco, como se bisbilhotássemos aqueles acontecimentos. A fotografia também merece destaque por, em vários momentos, dar a impressão de tudo aquilo ser um sonho, um recorte ou uma contação de histórias, o que de fato é.
“Saltburn” também tem um ar meio irreal na construção dos diálogos, despertando no espectador uma repulsa pela nobreza do filme, pois como pode aquelas pessoas terem tanto e serem apenas aquilo que estamos vendo? Essa desconstrução reforça o aspecto satírico do texto em torno da ambição e da riqueza. Felix é gente boa, mas mimado e indiferente a todas as oportunidades que tem e aos privilégios que o dinheiro lhe traz.
É irônico que Fennell confie demais em sua construção satírica e na ironia de seu texto a ponto de quase se perder nele. “Saltburn” foi vendido como um polêmico romance homoerótico, mas a relação entre seus protagonistas nunca é bem desenvolvida ao ponto de comprarmos essa ideia. Talvez intencionalmente, emprestando ao filme um sentimento que seus personagens carregue, a diretora/roteirista não se importa com aquelas pessoas, elas são apenas um meio para ela contar sua história.
Esse distanciamento é contrabalanceado com o fortíssimo apelo pop do filme. Fennell cria sequencias com potencial de viralização e de avisos como “tire seus pais da sala antes de ver este filme”. Situando o filme nos anos 2000, a diretora faz ótima utilização de músicas como “Modern Love”, do Bloc Party, ou a resgatando “Murder on the Dancefloor”, de Sophie Ellis-Baxtor, em uma cena que nasce clássica.
“Saltburn” é quase muito bom. É um texto inteligente, cheio de sarcasmo e autoironia, encenado de maneira brilhante por Barry Koeghan, mas também um filme com problemas de desenvolvimento e, principalmente, de ritmo. No terceiro ato, quando explica tudinho como se fosse um vilão de James Bond contando seu elaborado plano, o filme perde força antes de uma cena final memorável.
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Meio louco mas bem legal
Será o próximo que vou assistir