Poderia ser um filmaço na Netflix, mas se afasta do público...
"O Assassino", do grande David Fincher, perde força ao deixar o espectador distante do que acontece em tela
Durante todo o filme “O Assassino”, o protagonista vivido por Michael Fassbender repete que, em sua profissão, a execução “deve ser simples”. Discreto, disciplinado e implacável, ele é ótimo no que faz. Quando o conhecemos, na abertura do filme, ele está há dias esperando a aparição de um alvo – pouco importa quem o contratou e qual a motivação para aquele assassinato, se o contratante tiver dinheiro para pagá-lo, ele executa o compromisso. Nessa sequência inicial, o assassino (o personagem não tem um nome) conversa com o espectador, cita frases de efeito, algumas de autores famosos, outras cuja autoria ele não faz ideia, nos ajudando não a entendê-lo, mas a entender o que ele faz.
Dirigido pelo cultuado cineasta David Fincher (“Clube da Luta”, “A Rede Social”, “Garota Exemplar”, “Zodíaco”), “O Assassino” chegou à Netflix após um breve período nos cinemas Brasil afora. Baseado na HQ de Luc Jacamon e Alexis Nolent, o filme acompanha seu protagonista após um assassinato dar errado e sua cabeça ser colocada a prêmio. Não disposto a morrer por isso, ele começa então a caçar quem o caça. O resultado é interessantíssimo, mas também um tanto frio, e talvez seja essa a intenção.
“Empatia é uma fraqueza”, diz, em certo momento, o personagem de Fassbender. De fato, Fincher parece não querer que o público desenvolva relação alguma com seus personagens, mantendo-o a uma distância segura, como se observasse seu protagonista como um alvo ou relegando-o ao papel de espectador. Dividido em capítulos, “O Assassino” é visualmente riquíssimo e alterna cenas escuras a outras mais iluminadas, tudo depende das intenções do assassino.
É interessante como a direção de fotografia de Erik Messerschmidt esconde o rosto de Fassbender nas sombras a todo momento, dando um ar sempre dúbio em relação ao personagem. A tensão também está construída na trilha sonora original de Trent Reznor e Atticus Ross, colaboradores habituais de Fincher, que dão o tom do filme passeando entre temas mais industriais, pesados, e outros, mais calmos. É curioso, também, como o protagonista tem uma obsessão por The Smiths, colocando as canções da banda como parte essencial de “O Assassino”.
Fincher se permite brincar com seu sempre controlado jogo de câmeras em alguns momentos, como na excepcional luta na Flórida ou quando o protagonista entra em sua casa, um mix de controle e caos. O diretor já experimentou algo similar na sequência final de “Se7en - Os Sete Pecados Capitais” contrapondo Brad Pitt e Kevin Spacey de forma magistral, o caos contra o controle da situação.
“O Assassino” talvez peque em sua concepção. Fincher busca um filme distante de seu público, que nunca é convidado a se identificar com algum personagem, pelo contrário, o máximo que conseguimos é torcer para um assassino que não se importa com a motivação da morte de seu alvo.
Fassbender é impecável no papel, se mantendo sempre frio e distante, mas se permitindo alguma emoção como, por exemplo, no momento em que a casa do personagem pode ter sido invadida. O jogo de câmeras auxilia nessa percepção, filmando o ator sempre com uma postura impecável, mas em algumas raras cenas de câmera na mão.
O elenco de apoio, mesmo que em aparições curtas, ajuda na construção de mundo. Enquanto Sophie Charlotte tem algumas poucas, mas importantes, cenas, toda a sequência que envolve Fassbender e Tilda Swindon é um espetáculo, dando profundidade não apenas ao personagem, mas a todo o raso universo do filme. “O Assassino” talvez surja como um filme de ação, mas o filme é muito mais um estudo de personagem, com uma excelente cena de ação, do que algo ao estilo “John Wick”.
“O Assassino”, mesmo impecavelmente realizado, peca por fazer questão do distanciamento entre público e filme, uma escolha difícil de ser justificada, mas a todo tempo alardeado pelo diretor. O espectador não se sente parte de nada, não torce para ninguém apenas se senta na poltrona de passageiro e espera que tudo se desenrole. As atuações e a realização seguram o filme, mas, ao fim, parece faltar algo, parece faltar aquilo que nos faz recomendar o filme a outras pessoas, algo que emocione, algo que nos faça sentir. Ao final, há alguma satisfação, mas será o suficiente? “O Assassino” é frio, mas nunca se permite os raros arroubos de, ironicamente, o personagem magistralmente interpretado por Michael Fassbender, o que talvez afaste o filme de David Fincher de um grande público.