Para os saudosos de "O Método Kominski"
Do mesmo criador da série da Netflix, comédia da HBO Max acompanha agentes de apostas esportivas às vésperas da legalização de sites de aposta
Chuck Lorre construiu sua fama gradualmente, com roteiros variados para séries de TV de estilos completamente diferentes. Em 1997, ele criou a sitcom “Dharma & Greg”, um sucesso que possibilitou sua grande jogada: “Two And a Half Men”. A partir do fenômeno cultural que se tornou a série estrelada por Charlie Sheen, Lorre se tornou uma marca cobiçada e lucrativa ao elencar sucesso atrás de sucesso, obras como “The Big Bang Theory”, “Jovem Sheldon” e “Mom” tornaram sua assinatura algo disputado entre os canais americanos.
Foi na Netflix, longe da TV aberta, que Lorre se mostrou menos formulaico e mais pessoal em “O Método Kominski”. Longe dos limites das sitcoms, o autor criou um texto leve e divertido, comandado pela química entre dois atores espetaculares (Michael Douglas e o saudoso Alan Arkin) e por arcos de fácil assimilação.
Lançada pela HBO Max, “Bookie”, nova série a levar a assinatura de Lorre, segue mais para “O Método Kominski” do que para as sitcoms do criador. Em episódios de meia hora cada, a série acompanha Danny (Sebastian Maniscalco) e Ray (Omar J. Dorsey), agentes de apostas esportivas ilegais, às voltas com clientes de um negócio que já não é o mesmo.
Logo no primeiro episódio, Lorre brinca com seu histórico a colocar Danny e Ray em busca do ator Charlie Sheen para cobrar uma dívida – o problema é que Sheen desapareceu e pode ou não estar em uma clínica de reabilitação. O texto ainda guarda outra brevíssima aparição ausente até dos créditos, mas o episódio inicial serve basicamente como uma lúdica introdução no universo de “Bookie” a seus personagens.
Como os sites de aposta ainda não são legalizados na Califórnia, a série constrói a antecipação para esse momento e talvez estejamos acompanhando os últimos dias de uma atividade histórica. Lorre parece entender isso e trabalha a construção dos personagens para que possamos nos fazer essa pergunta, nos aproximando deles. “O que fazer quando todos os vícios se tornarem legais?”, questiona Hector (Jorge Garcia), um ex-traficante de maconha obrigado a virar motorista de aplicativo após a legalização da droga na Califórnia.
“Bookie” acerta ao apostar na dinâmica entre Danny e Ray, na química em cena que Maniscalco e Dorsey demonstram em cena. A série ainda ganha com alguns coadjuvantes de destaque, como Hector (Jorge GarciaAlém dele, há Lorraine (Vanessa Ferlito), irmã e parceira de negócios de Danny, e Sandra (Andrea Anders), esposa do protagonista, ambas acrescentam algumas camadas ao roteiro.
A série da HBO Max é inteligente ao escapar de alguns conflitos fáceis e iminentes, mas sem abandonar a familiaridade que desperta no público – não se trata de um texto desafiador ou complexo, apenas de um material bem escrito.
Danny e Ray representam outro tempo, uma época em que seria comum quebrar as pernas das pessoas que os devem, mas Danny, apesar de estranhar algumas mudanças, não é avesso a elas. Seu personagem é construído nessa dualidade de exercer uma função em que deveria ser duro e cruel, mas sem conseguir fazê-lo, e ele parece gostar disso. O texto busca alguns detalhes, como as músicas curtidas pelo protagonista, para suavizá-lo, mas é a atuação de Maniscalco a grande responsável por isso.
Construído em contradições e justamente por isso tão interessante, Danny carrega um certo anacronismo, como se fosse um estranho ao mundo que pertence. Ele busca a caricatura do ítalo-americano envolvido com negócios ilegais, uma concepção eternizada por “Os Sopranos”, para impor respeito, algo que talvez seja esperado dele, mas que ele não parece saber como levar a sério.
Com dois episódios por semana (sempre às quintas), e seis já disponíveis, “Bookie” é uma comédia inteligente e ágil, uma série a que dá vontade de continuar assistindo não por ganchos incríveis ao final de cada episódio, mas por apresentar personagens cujas histórias queremos continuar acompanhando. Se a assinatura de Chuck Lorre não for o suficiente para que você dê uma chance à série, espero que este texto o convença.
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Assistindo!! Sou mto fã de comédia não!!