"O Mundo Depois de Nós" (e mais 3 dicas)
Estrelado por Julia Roberts, Mahershala Ali e Ethan Hawke, filme da Netflix tem boas ideias, mas as desperdiça
Em um primeiro momento, “O Mundo Depois de Nós” parece ser um filme irresistível, ainda mais para os padrões consumidos pela Netflix. Baseado no livro homônimo de Rumaan Alam, o filme tem no elenco vencedores do Oscar como Julia Roberts, Mahershala Ali, além do cultuado Ethan Hawke. Na direção, Sam Esmail, criador de “Mr. Robot” e “Homecoming”, em seu primeiro filme pós-fama.
A trama acompanha Clay (Hawke) e Amanda (Roberts) em uma viagem para um balneário de Long Beach. Ele acorda um dia e descobre que a esposa, cansada do trabalho e da loucura de Nova York, alugou uma casa na praia para eles e os filhos passarem algum tempo. Na primeira noite na casa, após alguns acontecimentos estranhos durante o dia, um homem elegantíssimo bate à porta, é George (Ali) e sua filha, Ruth (Myha’la) – ele diz ser o proprietário da casa com uma desculpa meio esfarrapada para dormir ali. Logo fica claro que eles escondem algo, mas o quê?
A premissa, não muito diferente da do ótimo “Noites Brutais” (disponível no Star+), ganha camadas quando eles descobrem estar sem conexão nenhuma com o mundo. A situação serve para que possamos distinguir as personalidades de cada um; Clay é atencioso e se esforça para que sua esposa, desconfiada, não passe dos limites no trato social. Da mesma forma, George é educado e pacificador, uma postura totalmente oposta à de Ruth, reativa a sempre disposta a atacar. A tensão entre eles, no entanto, dá lugar ao desconforto quando coisas estranhas começam a acontecer com frequência.
Com ótimo elenco e sob o comando de um cineasta de pegada autoral, o texto ainda dialoga com um grande público ao tratar de um isolamento pós-Covid. A sensação é familiar ao espectador e potencializada por Esmail e pelo diretor de fotografia Tod Campbell que passeia entre cômodos e áreas da casa com calma e elegância – aquele ambiente parece seguro, ao contrário de todo o resto.
“O Mundo Depois de Nós” tem ótimos momentos quando aposta na estranheza dos acontecimentos. Sem Esmail entende o que precisa fazer para criar o desconforto necessário, para que a angústia dos personagens, causada pelas dúvidas, sejam compartilhadas pelo público. Para isso, o cineasta abusa dos reaction shots, os takes que mostram a reação dos personagens às vezes antes mesmo de vermos o que está acontecendo – a tensão é construída na reação daquelas pessoas.
É no roteiro, uma adaptação de Esmail para o livro, que o filme tropeça. O diretor toma algumas liberdades criativas que funcionam, diminuindo algumas conexões e coincidências que parecem artificiais no texto de Alam. Em contrapartida, ele torna Archie (Charlie Evans) e Rose (Farrah Mackenzie), filhos de Clay e Amanda, em arcos desnecessários, muletas utilizadas pelo filme para chegar a pontos a que o livro chega de outra forma.



Rose, por exemplo, está obcecada com “Friends”, mas sem conexão de internet para assistir ao último episódio em seu tablet – “acho que nunca vou descobrir o que acontece com Ross e Rachel”, diz, em certo ponto. A ligação que o filme faz com a realidade é superficial e nunca parece real. Rose e Archie são mal escritos, servindo apenas como instrumentos do roteiro para uma ou outra virada.
Bom nas incertezas, “O Mundo Depois de Nós” perde força em suas explicações. Após diversas teorias serem apresentadas até como piada por um coadjuvante que também recebe tratamento bem diferente em relação ao livro, um dos protagonistas traz tudo detalhadamente explicado. Sem Esmail então decide mostrar o que acabou de ser explicado para que o espectador entenda que aquilo é realmente o que aconteceu.
Essa “segunda parte” do final, a protagonizada por Amanda e Ruth, funcionaria melhor sem a explicação prévia. Como se não bastasse, o filme ainda é finalizado em uma cena que mais parece um meme de internet – e tem todo o potencial para virar exatamente isso. A escolha é irônica, pois o significado daquilo já havia sido previamente trabalhado pelo texto. É curioso que esse fim talvez funcione, represente uma esperança para alguns, um escape, mas Esmail desperdiça toda sua construção de tensão por uma piada mal encaixada que deixa o clima final meio constrangedor.
DICAS!
1 - Desobediência (Netflix)
Dirigido pelo chileno Sebastian Lelio (“Uma Mulher Fantástica”), o filme tem Rachel Weisz e Rachel McAdams como protagonistas. A história traz uma mulher que volta para casa, em uma comunidade judia superconservadora, e reencontra uma amiga de infância (e sua paixão proibida por ela).
2 - Bookie (HBO Max)
A série criada por Chuck Lorre (“O Método Kominski”, “Two And a Half Men”) acompanha um agente de apostas esportivas ilegais e as consequências da popularização dos sites de apostas “legais” (as aspas são importantes) em sua profissão. O texto é engraçado, leve e cheio de surpresas. São dois episódios por semana, com quatro já lançados, e falarei mais da série na semana que vem.
3 - Sede Assassina (Amazon Prime Video)
Filme hollywoodiano do argentino Damián Szifron (“Relatos Selvagens”), “Sede Assassina” é um suspense policial que parece feito algumas décadas atrás. Na trama, uma investigadora concilia demônios do passado com a perseguição ao responsável por um crime brutal. Um texto com boas surpresas e ótimas atuações.