"O Brasil que salvou o Brasil"
Quinze anos depois do primeiro filme, "Ó Paí, Ó 2" chega aos cinemas com bons personagens e uma Bahia cheia de vida, mas o roteiro...
Em 1992, a partir do texto de Márcio Meirelles, o Bando de Teatro Olodum deu vida a “Ó Paí, Ó”, peça que virou filme estrelado por Lázaro Ramos, um ator do grupo, além de Wagner Moura, Dira Paes, Emanuelle Araújo, Érico Brás e outros tantos atores. O filme, dirigido por Monique Gardenberg foi bem recebido, mas não chegou a ser um grande sucesso que demandasse uma continuação de imediato. Agora, porém, após o filme de 2007 ganhar uma nova popularidade nas redes sociais, com trechos viralizando e se tornando até meme, “Ó Paí, Ó 2” chega às telas em um país diferente, mas com a mesma pegada positiva de outrora.
Dirigido por Viviane Ferreira, “Ó Paí, Ó 2” se passa 15 anos após os acontecimentos do primeiro filme. Roque (Lázaro Ramos) se prepara para enfim lançar sua primeira música, mas logo percebe ter sido passado para trás. Enquanto isso, Neuzão (Tania Toko) perdeu seu bar após uma confusão com o dono do espaço, mas ela pode ou não ter caído num golpe. Toda a vizinhança e os moradores do cortiço de Dona Joana (Luciana Souza) se unem, então, para salvar o bar que tanto significa para o Pelourinho e para Salvador.
“Sempre que eu volto pro bando (de teatro), me vejo como um menino de 15 anos que começou a fazer teatro lá, com seus ídolos”, conta Lázaro, em entrevista a este que vos escreve durante a divulgação do filme. Para o ator, mesmo que o texto seja localizado em uma região de Salvador, cada personagens é um pedaço de Brasil: “eles trazem temas diferentes e mostram o que foi feito com esses temas nos últimos 15 anos”.
Essa passagem de tempo é sentida principalmente pela nova geração, os “filhos do cortiço”, antes crianças e até bebês, agora assumem a tela, ganham espaço e importância na trama. Enquanto no filme de 2007 a Bahia era puro carnaval, agora ela é carnaval e muito mais – há slam, batalhas de rima e uma nova estética que dialoga com os novos tempos.
É nesse diálogo entre a tradição e o novo que “Ó Paí, Ó 2” constrói sua identidade. Há, por exemplo, uma linda homenagem a Guiguio Shewell (ex-Ilê Aiyê), tem a atual ministra Margareth Menezes, mas também um show do BaianaSystem e a presença do Attooxxa. A Salvador do filme é viva, colorida, ocupada por cultura, arte e identidade brasileira, uma celebração à Bahia em um momento em que “o Nordeste salvou o Brasil”, segundo palavras do roteirista Elísio Lopes Jr.
E o filme?
“Ó Paí, Ó”, talvez pelas origens teatrais dos envolvidos, tem pegada de palco, com cenas bem definidas, cada uma com sua importância à trama ou ao significado do filme, mas não necessariamente funcionando como uma engrenagem. As músicas funcionam muito bem, com boas sequências que acrescentam e não servem apenas de enfeite.
O texto tem mensagem clara, uma ode à cultura e à resistência, à alegria de viver mesmo quando as coisas não vão tão bem. Quando foca nisso, o filme funciona, com bons personagens e discursos que nunca colocam as diferenças de gênero, sexualidade ou classe social no centro do conflito, muito pelo contrário, “Ó Paí, Ó 2” celebra essas diferenças.
O tendão de Aquiles do roteiro é quando parte para os arcos dramáticos. Todas as soluções são bobas e nunca se tem, de fato, drama como parte dessas histórias. A solução para o bar de Neuzão se dá quase em um passe de mágica (com direito a efeitos que parecem saídos do seriado de Sandy e Junior), o que é uma pena. O texto ainda explora muito pouco o “golpe” que Roque toma com sua música, “roubada” por um empresário e uma cantora brancos – ele lamenta, protagoniza um número musical sobre, e pronto.
“Ó Paí, Ó 2” é um filme de escuta afetiva, de personagens construídos coletivamente a partir das diferenças e das experiências, e são eles que seguram o fiapo de história, fazendo todo o filme valer a pena. Com um texto mais redondo, equilibrando personagens, mensagem e drama, “Ó Paí, Ó 2” seria ótimo, mas, apostando forte no discurso e na identificação, o filme consegue sair com um saldo positivo.
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Adorei entrevista com Lázaro! 😍