Mistério e sexo são o segredo de "Yellowjackets", agora na Netflix
O sucesso "Yellowjackets" chega agora à Netflix buscando se tornar um fenômeno
Ao assistir aos primeiros episódios de “Yellowjackets”, desisti de escrever sobre a série do Showtime lançada originalmente no Brasil pela Paramount+ e agora disponibilizada pela Netflix. A série parecia fadada ao cancelamento após a primeira temporada, algo imperdoável para uma trama de mistério. Para minha surpresa, ela caiu no gosto do público, se tornou um fenômeno e obviamente já tem novas temporadas confirmadas.
“Yellowjackets” é a história de um time de futebol feminino que sobre um acidente aéreo a caminho de um campeonato. O avião cai em uma floresta e as meninas precisam se virar para sobreviver enquanto o resgate não chega. A narrativa alterna momentos pós-acidente com outros 25 anos depois, quando acompanhamos algumas delas adultas e vivendo suas vidas com as marcas adquiridas por tudo o que aconteceu na floresta.
A série mistura o drama das sobreviventes a jornadas de autoconhecimento e alguns mistérios, criando uma narrativa estendida sustentada por ganchos entre episódios, o que funciona bem em uma trama de episódios semanais. É curioso que, à época do lançamento original, eu escrevi que “Yellowjackets” seria bem consumida se disponibilizada toda de uma vez, o que poderia comprometer o boca a boca e a formulação de teorias, mas causaria um hype maior. Vamos ver como a série reage às maratonas da Netflix.
É interessante perceber como a série criada por Ashley Lyle e Bart Nickerson passeia entre os estilos e também entre épocas. “Yellowjackets” se assemelha muito às séries lançadas nos anos 2000, quando se buscava um novo “Lost” e tramas com grandes mistérios a serem respondidos, mas aposta pesado na estética noventista e na estrutura narrativa das séries de TV aberta dos anos 2010, que inseriram elementos procedurais dentro de um arco maior.
O arco do passado não é muito distante de uma trama de “Malhação”, com as jovens e os poucos homens que estavam no avião em questões sobre amizade, sexualidade e relacionamentos. Em alguns momentos, inclusive, todos agem como se estivessem em uma grande colônia de férias no meio da natureza. Nesse arco, “Yellowjackets” lembra bastante a boa (mas cancelada) “The Wilds” ao misturar um drama de sobrevivência com toques de suspense às questões típicas da idade das personagens e também ao fazer as ligações entre as duas narrativas paralelas.
A série aproveita as liberdades para caprichar na violência - há momentos bem gore - e permitir uma ou outra cena de sexo menos pudica. Aos poucos, a série se aprofunda no psicológico das adultas, principalmente a frustrada dona de casa Shauna (Melanie Lynskey), Natalie (Juliette Lewis), uma punk recém-saída da reabilitação, e Taissa (Tawny Cypress), mulher negra e gay em uma disputa por uma vaga no Senado. Ainda há Misty (Christina Ricci), construída intencionalmente como esquista e dúbia pelo texto para que boa dose da desconfiança recaia sobre ela.
É curioso como o texto espera que o público releve alguns comportamentos das jovens - afinal, são adolescentes em situações limítrofes - e depois espera que façamos o mesmo com as personagens já adultas. “Yellowjackets” se sustenta sobre os mistérios de ambos os arcos e as viradas da trama, e é por isso que o roteiro gasta tanto tempo criando novas possibilidades e alimentando-as, mesmo que seja apenas para abandoná-la em sequência.
Originalmente uma série de episódios semanais, ela precisava dessas viradas para manter o interesse do público e fomentar teorias e discussões ao longo da semana, mas essa constante manipulação das expectativas também pode frustrar o espectador. O texto também requer que a audiência ignore suas muitas coincidências e as mudanças de comportamento que têm como único objetivo colocar a trama em movimento, um recurso de roteiros pouco criativos.
A série é eficaz em construir mistérios e nos faz querer saber sempre mais. Em, ela série é péssima em resolver qualquer coisa, apostando nos finais de temporada como uma desova de soluções. O acúmulo de mistérios, alguns bem desnecessários, como o do filho de Taissa, incomoda e dispersa a atenção do público para os pontos fortes da narrativa.
É necessário que “Yellowjackets” tenha um rumo definido, uma quantidade máxima de episódios pensados para entregar recompensas e a sensação de que a trama vai a algum lugar. Caso contrário, a série poderá ficar conhecida por sua “enrolação” - suas similaridades com “Lost” pesam contra ela neste ponto. As duas temporadas já lançadas divertem e envolvem, mas já começam a dar sinais de um cansaço, do mistério pelo mistério que, aos poucos, dissolve o interesse.
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