"Marselha em Perigo" é ótima série policial
Série policial francesa da Netflix tem a complexa Marselha como cenário de drama com boa ação e bons personagens
Marselha, na costa mediterrânea da França, é o maior porto comercial do país. O complexo portuário e o vasto litoral tornam a cidade um dos grandes hubs para distribuição de drogas na Europa, América do Norte, África e até Ásia. Neste cenário, há diferentes grupos lutando pelo controle do lucrativo negócio e uma complexa rede de corrupção que envolve empresários, políticos, fiscais alfandegários, policiais, etc.. Com uma grande presença de imigrantes de ex-colônias francesas e de territórios próximos como a Córsega, a região ainda é palco de conflitos de identidade, xenofobia e intolerância religiosa. Marselha é complexa…
Não foi ao acaso que filmes como o clássico “Operação França” (1971), de William Friedkin, e o bom “A Conexão Francesa” (2014), de Cédric Jimenez, contam histórias que envolvem as tais redes de tráfico, violência e corrupção. Mais recentemente, a Netflix lançou séries como “O Traficante” e filmes como “Bronx” e “Bac Nord”. Uma pena que um dos grandes filmes já feitos sobre a cidade, “Um Profeta”, de Jacques Audiard, não esteja disponível em nenhum serviço de streaming, apenas para locação via Amazon.
Produzida e escrita por Olivier Marchal, um ex-policial, “Marselha em Perigo” é a bola da vez na Netflix. A pegada e a ambientação são as mesmas, mas a série faz uma escolha interessante de focar mais em seus personagens. O texto acompanha uma equipe da polícia comandada por Lyès Benamar (Tewfik Jallab), que precisa impedir que grupos rivais transformam a cidade em um campo de batalhas.
O espectador conhece a dinâmica da equipe e da cidade através de Alice, uma policial parisiense (Jeanne Goursaud) transferida para Marselha, mas com um passado que a liga com um dos grupos em guerra – e isso não é nenhum spoiler, pois essa ligação é apresentada logo no primeiro episódio.
“Marselha em Perigo”, como se tornou um padrão das obras francesas do gênero, opta por uma ação crua, com muita câmera na mão para tentar colocar a audiência dentro da ação, sentindo a tensão de cada situação. O recurso quase sempre funciona, mesmo que canse depois de um tempo. A série tem estética violenta a dura, uma escolha que reflete a cidade de Marselha, seus problemas sociais, suas periferias e sua polícia.
Um dos grandes acertos do texto é mostrar como isso tudo se mistura. Os policiais vêm da mesma realidade que alguns grupos que comandam o crime, moram nos mesmos lugares onde esses grupos atuam. A série coloca os policiais no meio de um conflito protagonizado por um grupo comandado por Ali Saïdi (Samir Boitard), líder de uma família de ascendência árabe responsável pela distribuição de drogas na cidade, e pela organização capitaneada por Franck Murillo (Nicolas Duvauchelle), um violento grupo mafioso. A série de Olivier Marchal às vezes é cruel e dura, trazendo tudo para o mais perto possível da realidade.
Apesar de enxuta, com seis episódios, “Marselha em Perigo” consegue construir bem a tensão, a sensação de risco necessária para uma obra do gênero. Essa construção é reforçada pela presença constante de um policial da corregedoria investigando as ações de Lyès e sua equipe. A série também é eficaz no desenvolvimento de seu núcleo principal, reforçando a cumplicidade entre os policiais e até dando alguma profundidade a alguns, o que nos ajuda a entender toda a complexidade da cidade – é como se cada um deles representasse um aspecto de Marselha.
“Marselha em Perigo” dialoga com o cinema de ação do início dos anos 2000, popularizado por Paul Greengrass em “Identidade Bourne”, mas também se coloca como uma obra de conteúdo social não muito distante dos espetaculares compatriotas “Athena” (da Netflix) e “Os Miseráveis” (HBO Max). A série francesa da Netflix tem ótimos momentos, principalmente quando foge um pouco do convencional, mas competente mesmo quando opta por caminhos mais seguros.
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Assistindo. Bem dinâmica