Liam Neeson também tem contas a pagar...
Sucesso na Netflix, "Missão Resgate" subestima a inteligência do espectador
Liam Neeson é um ator renomado, com raízes no teatro de Shakespeare em sua Irlanda natal, duas indicações ao Tony, prêmio máximo do teatro, e trabalho com diretores como Martin Scorsese e Steve Spielberg, que deu a ele seu papel mais famoso, o de Oskar Schindler em “A Lista de Schindler”.
Em 2008, a fim de passar quatro meses em Paris e aprender caratê, ele topou participar de um filme de Pierre Morel com produção e roteiro de Luc Besson. Neeson acreditava que o filme teria carreira simples nos cinemas da França e seria relegado a DVDs mundo afora, mas “Busca Implacável”, filme que ele aceitou para pagar as contas e passear, foi um sucesso gigantesco e reinventou não apenas sua carreira, mas até o cinema de ação hollywoodiano.
De repente, não era necessário mais um astro de ação consolidado como protagonista, pelo contrário, Neeson já estava com mais de 50 anos quando estrelou o filme e, apesar de alto, nunca foi um sujeito fortão. Neeson viu sua carreira revitalizada, estrelou bons filmes nesse estilo de “um homem contra o mundo” (“Noite sem Fim”, “Desconhecido”, “A Perseguição”), mas a fórmula se esgotou. Sem boas ideias chegando, o ator continuou insistindo no gênero – pagar as contas, afinal, é sempre uma necessidade. Assim, filmes como “Na Mira do Perigo” (2021), “Legado Explosivo” (2020) e o medonho “Agente das Sombras” (2022) até chegavam aos cinemas, mas sem o peso de outrora.
“Missão Resgate”, sucesso atual na Netflix, é um caso curioso. Lançado pela Netflix nos EUA e no Canadá, e pela Amazon Prime Video em outros mercados, o filme de Jonathan Hensleigh teve seus adquiridos para os cinemas no Brasil, mas não chegou a estrear por aqui. O filme agora chega à plataforma como um lançamento e até se afasta um pouco da pegada “um homem contra o mundo”, mas é também um dos piores do ator.
Na trama, Neeson é Mike McCann, um caminhoneiro experiente que pula de emprego em emprego pela necessidade de cuidar do irmão, Gurty (Marcus Thomas), um veterano que sofre de estresse pós-traumático e afasia. Quando uma mina de diamantes no norte do Canadá colapsa, matando oito mineiros e deixando outros 26 soterrados, Mike recebe a incumbência de levar até lá os pesados equipamentos necessários para que os mineiros possam sobreviver.
Ao lado dos McCann, o veterano Jim (Laurence Fishburne) e a intempestiva Tantoo (Amber Midthunder, de “Prey”), uma jovem indígena afeita a atos de rebeldia. O grande problema é que eles terão que cruzar grandes lagos congelados, as chamadas estradas de gelo, em uma velocidade acima do recomendado, ou seja, eles podem estar em uma missão suicida.
“Missão Resgate” é extremamente didático, subestimando a inteligência do espectador com diálogos expositivos e até personagens que falam sozinhos explicando o que estão prestes a realizar. No meio do caminho, claro, a situação foge do controle e o filme, que rumava para um “homem contra a natureza”, acaba indo por lugares seguros e bem menos criativos, desperdiçando o excelente cenário gelado, no meio do nada.
Sem entrar em spoiler algum, “Missão Resgate” peca muito ao escolher os caminhos mais fáceis, o que não deixa de ser irônico após algumas decisões até ousadas do texto. Com Liam Neeson no piloto automático (o que não é ruim), o filme é muito melhor quando antagoniza seus personagens e a ameaçadora estrada de gelo que dá o título original ao filme (“Ice Road”). Quando busca o drama e o suspense de conspiração, o roteiro falha miseravelmente, com personagens que passam a agir sem um pingo de inteligência e conflitos forçados para garantir algumas viradas. É imperdoável que o texto tente construir um drama de sobrevivência para os mineiros, mas praticamente ignora uma das grandes questões levantadas, algo que poderia, enfim, dar carga dramática ao filme.
Ao fim, “Missão Resgate” talvez seja o filme que Liam Neeson achou que “Busca Implacável” seria, uma obra medíocre, um polpudo “cheque” ao fim da produção, alguns dias de trabalho. Pode ter valido o tempo do ator, mas definitivamente não vale o de quem nada vai ganhar com ele.
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Hollywood anda preguiçosa. Se alguém conseguisse viajar no tempo, dos anos 80 pra cá, teria pensado que a máquina do tempo não funcionou, se estivesse diante de um cinema.
Assistimos! Gostei! Só q o nome em português tá como Estrada De Gelo.