Imprevisibilidade é trunfo de drama da Netflix
"Ninguém Precisa Acreditar em Mim", da Netflix, se garante com tensão crescente
O diretor mexicano Fernando Frias é responsável por um dos melhores filmes que quase ninguém viu na Netflix, “Ya No Estoy Aquí”. O filme mistura a cultura mexicana de gangues a ritmos musicais latino na história de um jovem que, em fuga, é obrigado a trocar o México por um uma comunidade de imigrantes em Nova York. O texto lida com pertencimento e questões culturais de maneira quase silenciosa, deixando que a fotografia, o figurino e as músicas façam esse serviço. Funciona muito bem.
Frias está de volta à plataforma com seu novo filme “Ninguém Precisa Acreditar em Mim”, um trabalho em que olha para o outro lado do México. Se em “Ya No Estoy Aquí” ele lidava com as gangues de rua e uma população orgulhosa das tradições de seus antepassados, em seu novo filme o cineasta entra no lado abastado, na parte do país que, com dinheiro, parece se identificar mais com seus vizinhos de cima ou até mesmo com os europeus
O texto, baseado no livro de Juan Pablo Villalobos, acompanha Juan Pablo (Dario Yazbek Bernal), um jovem de família tradicional, rica, prestes a embarcar para Barcelona, na Espanha, para fazer um doutorado em literatura latina. Antes de ir, no entanto, ele encontra um primo que o oferece um “bom esquema” – um negócio que desde o início parece fadado ao fracasso, mas, incomodado em dizer não diante da insistência do primo, ele topa se encontrar com um “conhecido”. E sua vida nunca mais será a mesma a partir daquele encontro.
“Ninguém Precisa Acreditar em Mim” faz escolhas ousadas desde o início. Juan Pablo parte para Barcelona envolvido com uma rede criminosa e leva consigo sua namorada, Valentina (Natalia Solián), uma mulher que, ao contrário do protagonista, não tem traços europeus ou dinheiro sobrando. A diferença de tratamento dada aos dois é ressaltada pelo texto – enquanto o jovem acadêmico sem traços latinos é bem recebido por onde passa, sua namorada encontra receptividade em um italiano morador de rua.
O filme de Fernando Frias é duro o tempo todo, três atos bem distintos e de estéticas diferentes. À medida que a trama se desenrola, ela se transforma também no livro escrito por Juan Pablo. É interessante como o filme, desde o início, trata seu protagonista como um narrador pouco confiável, nos fazendo questionar se, de fato, aquilo está acontecendo.
“Ninguém Precisa Acreditar em Mim” tem uma tensão constante e crescente, o que se dá muito em função da tal escolha ousada feita em seu ato inicial e o consequente clima de que tudo pode acontecer. Frias opta pelo impacto repentino e por não preparar o espectador para o que virá adiante, uma escolha narrativa refletida na montagem de cortes secos, uma edição fria, que nos afasta de Juan Pablo até uma pitada de body horror e acaba trazendo Valentina para o papel de espectador.
Apesar dos três atos bem definidos, o filme se atropela quando se aproxima do fim, dando a impressão de que o terceiro ato deveria ser mais bem trabalhado. É quando o filme caminha com mais fluidez e parece estar sempre em movimento, ou seja, quando as coisas parecem acontecer. Essa sensação se opõe à narrativa dos atos anteriores, que desenvolve seus personagens com arcos pequenos e aparentemente sem peso, algumas soluções parecem simples e outras, contestáveis pela pouca credibilidade do narrador. A ideia parece ser desconstruir Juan Pablo gradualmente, do jovem acadêmico progressista do início ao retrato de um homem mimado, que acredita poder escapar de tudo e nunca defende a namorada dos preconceitos de sua família.
É muito curioso como Fernando Frias encontra casa para seus trabalhos na Netflix com um estilo muito diferente do que a plataforma costuma lançar, principalmente se falarmos de obras latino-americanas. “Ninguém Precisa Acreditar em Mim” é um bom filme, mesmo sem ser incrível, e uma escolha interessante para quem quer um cinema mais autoral no oceano de ofertas padronizadas das plataformas de streaming mais populares.
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Bom filme
Vou assistir 😊