Elegante, "Maestro" não é cinebiografia convencional
De olho no Oscar, "Maestro", da Netflix, tem ótima direção e atuações poderosas para contar a vida do maestro Leonard Bernstein
No final da década passada, tanto Steven Spielberg quanto Martin Scorsese já estiveram cotados para dirigir um filme sobre o maestro Leonard Bernstein (1918 - 1990). Os históricos cineastas, no entanto, teriam ficado tão encantados com “Nasce uma Estrela” (2018) a ponto de entender que Bradley Cooper seria o nome certo para a biografia. Agora produtores do projeto, eles não estavam tão errados assim (afinal, são Spielberg e Scorsese…)
“Maestro”, que chega à Netflix nesta quarta (20), não é bem uma cinebiografia convencional do maestro, mas um recorte de áreas bem específicas de sua vida. Quando o filme tem início, Bernstein (Cooper) está prestes a alcançar a fama – aos 25 anos, ainda um assistente, ele é convocado às pressas para substituir o regente da Orquestra Filarmônica de Nova York no Carnegie Hall.
Toda a sequência é excelente, partindo de uma tomada aérea que acompanha Bernstein, de seu apartamento ao camarim, e se aproxima do rosto do personagem e captar a excitação genuína em suas expressões. A partir deste ponto, o maestro já está apresentado ao público, uma introdução que encanta o espectador assim como ele encantou os presentes no Carnegie Hall. O filme também introduz o Leonard Bernstein compositor de sucessos da Broadway (“Amor, Sublime Amor”) e já apresenta a dualidade que marcará boa parte do protagonista.
Acontece que “Maestro” não é só uma cinebiografia musical, mas também uma grande história de amor. Assim, a atriz Felicia Montealegre-Cohen (Carey Mulligan) é apresentada na sequência, inicialmente como uma mulher com ares de ingenuidade, uma heroína de um musical que parece prestes a começar a cantar enquanto caminha pelas ruas. Logo, porém, passamos a enxergá-la além disso.
A química entre Leonard e Felicia é imediata, com uma real sensação de encantamento mútuo. Desde a primeira cena de Mulligan e Cooper juntos, a fotografia de Matthew Libatique enquadra os atores como o centro do mundo, emoldurando-os cada vez mais juntos (ou mais separados, em uma cena crucial do filme). A relação dos dois é orgânica, natural, mas estranha para outros personagens como Shirley (Sarah Silverman), irmã de Leonard, que aparentemente quer “poupar” Felicia de um romance com seu irmão.
“Maestro” deixa claro, desde o início, a orientação sexual de Leonard – até porque trata-se de uma figura histórica bem conhecida. Felicia sabe disso tanto quanto nós, mas eles, de fato, se amam, se completam. O que desejar em uma relação além disso? Após um grande salto temporal, porém, a relação parece cansada ao mesmo tempo em que o maestro se deixa encantar pelas “facilidades” da fama.
O texto é delicado ao construir as relações sem julgamentos. É fácil escolhermos o lado traído, mas Felicia parece mais preocupada com a exposição do marido e os riscos que ele assume, chegando ao ponto de dizer “se você não tomar cuidado, vai morrer como uma rainha velha e solitária” (a fala é “amenizada” na tradução para o nosso português). Desde o início, como fica claro na cena do musical, ela sabe de tudo e escolhe estar com ele.
A opção por uma cinebiografia focada no lado pessoal pode incomodar um pouco quem espero algo mais convencional, quem espera assistir, no filme, a Bernstein compondo suas grandes obras ou seus musicais. Há, claro, momentos dedicados a isso, como a espetacular sequência na Catedral de Ely, na Inglaterra, mas não são tantos. Ainda assim, “Maestro” faz muito bom uso das músicas de seu biografado ao, por exemplo, introduzir um amante de Leonard ao som de “Jet Song”, de “Amor, Sublime Amor”.
A direção de Cooper é excelente, fazendo ótimo uso do silêncio de seus personagens e de reaction shots genuinamente interessados nas reações das pessoas aos acontecimentos. Outra interessante escolha é a pelo preto e branco em um período mais clássico, idealizado e até romântico da história, em contraposição às cores da Hollywood pós-clássica dos anos 1970, uma sociedade com ares mais decadentes, assim como o estado da relação central do filme e até daquelas pessoas, de forma geral.
Cooper utiliza takes longos, sem grandes ousadias (mas sempre bons), deixando o texto e os atores contarem a história quase como de improviso. Em alguns momentos, como em uma cena de discussão, numa grande escalada de tensão, ele se permite o alívio cômico com a quebra da expectativa com algo inesperado do lado de fora, e o fato de o texto já ter citado algo referente a isso é genial.
Como ator, a entrega de Cooper impressiona e não é só em função do trabalho prostético e de maquiagem que o deixam parecidíssimo com Leonard Bernstein. O ator se entrega e se preocupa em não parecer um cosplay do maestro biografado – Cooper até aprendeu a reger uma orquestra para dar autenticidade às cenas. Carey Mulligan tem uma personagem difícil, silenciosa, que precisa se expressar com gestos, expressões e postura. O resultado é excelente, com os dois funcionando bem tanto juntos quanto separados.
“Maestro” é elegante, com boa direção e com destaques para fotografia e som, além, claro, de duas atuações magistrais. Não espere, porém, a típica biografia do artista genial, mas incompreendido (expectativa quebrada na primeira cena) em uma sociedade pouco preparada para seu brilhantismo. Leonard Bernstein era genial, claro, mas também era uma pessoa de erros, acertos e desejos, muitos desejos, e é essa a história que Bradley Cooper conta em seu filme.
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Muito bom!
Começando a assistir.