"Eco" é o melhor produto Marvel em muito tempo
Série da Disney Plus tem questões mais pessoais e ação menos fantástica. Resultado é uma boa série de ação dentro do abatido MCU
Sou da geração que cresceu lendo “revistinhas” semanais de Marvel e DC nos anos 1980 e 90, muito mais Marvel que DC, diga-se de passagem. De todos os personagens poderosíssimos, o que mais me encantava era o Demolidor, que o fazia justamente por ter aventuras menos fantásticas.
Matthew Murdock e a Cozinha do Inferno sempre foram protagonistas das minhas histórias favoritas da Marvel, o que me desperta uma simpatia quase imediata com “Eco”. Lançada pela Disney Plus, a nova série da Marvel Studios é a primeira com o selo Marvel Spotlight, criado, em teoria, para lançar obras independentes no MCU, ou seja, que não tenham como pré-requisito ter assistido a trocentos filmes e séries. Mesmo assim, “Eco” se conecta com o universo Marvel que conhecemos e requer um pouco de conhecimento prévio.
O primeiro episódio serve para contextualizar o espectador a respeito de quem é aquela mulher e também para despertar uma conexão com o público. Assim, o texto logo traz uma excelente cena de Maya (Alaqua Cox) cujo ápice é um conflito com o Demolidor (Charlie Cox) e lembra, em alguns flashbacks, acontecimentos de “Gavião Arqueiro”, série que introduziu a personagem e com qual “Eco” tem vínculos mais fortes. É com o desfecho da série estrelada por Jeremy Renner que a nova série da Marvel/Disney se encaixa de fato.
O texto conecta Maya a Wilson Fisk, o Rei do Crime (Vincent D`Onofrio), dando ainda mais peso ao final de “Gavião Arqueiro”. Eles têm uma relação de pai e filha, com o mafioso tendo cuidado da jovem de ascendência indígena desde a morte de seu pai. É também o Rei do Crime o responsável por Maya crescer como parte de um ambiente de crime e violência – quando ela enfrenta o Demolidor, Fisk se encanta com o potencial, pois nenhum de seus homens havia sido páreo para o justiceiro até aquele momento.
“Eco” constrói Fisk e Maya como iguais, adultos marcados por traumas de infância, por perdas e cicatrizes. O Rei do Crime de Vincent D’Onofrio é ótimo, sempre ameaçador, mas carismático e capaz de gestos de afeto que desarmam seu opositor. Assim, tê-lo como um paralelo para a heroína é importante para reforçar justamente o que os separa, toda a linhagem ancestral indígena de Maya.
A Eco das telas é diferente da personagem dos quadrinhos, o que não é um problema. Em seu material original, Maya consegue replicar habilidades de qualquer pessoa, uma habilidade que lhe rendeu excelência como pianista, dançarina e, claro, como lutadora – ela estudou o Demolidor e o Mercenário para enfrentar o herói cego e o deixou à beira da morte. No universo cinematográfico, porém, essa habilidade de copiar técnicas é subutilizada (quase ignorada) e o tal “eco” diz respeito à ancestralidade da personagem que ecoa pela história e a faz compartilhar poderes com mulheres ancestrais tão poderosas quanto ela.
Em cinco episódios de cerca de 40 minutos, a série entende seu lugar naquele universo, mesmo que ainda dependa dele para a contextualização. Tudo é mais sóbrio, sem grandes exageros narrativos, aproximando “Eco” das temporadas iniciais de “Demolidor”, quando esta ainda era uma série da Netflix. A conexão é intencional também na estética, com as lutas filmadas em takes longos que emulam um planos-sequência, méritos da dupla Marc Scizak e Mike Wilson, responsáveis pelas lutas e coreografias também da ótima “Banshee”. O fetiche pelo suposto take único, porém, dá a algumas lutas um aspecto artificial, quase como uma dança, mostrando que uma boa edição pode conferir urgência e força a uma cena, mas isso é detalhe.
“Eco” tenta ser mais adulta, se distanciando do processo de infantilização do Universo Marvel dos últimos anos, uma escolha que se mostra acertada – há até um aviso de violência e conteúdo adulto antes de cada episódio, mas não é para tanto… Talvez seja mais fácil ser mais violenta em uma trama com atores e personagens ainda não consagrados, sem ter que vender boneco de um herói que deformou o rosto de um rival durante uma briga.
Mesmo sem ser incrível, “Eco” é melhor que quase tudo lançado pela Marvel nos últimos anos, o que talvez não seja tão difícil. A minissérie da Disney é uma história de origem, mas é difícil imaginar personagens como Maya, o Rei do Crime e o próprio Demolidor em um contexto mais fantástico e grandioso mesmo mais adiante. O núcleo “mais humilde” da Marvel representa o lado mais pessoal da marca, problemas menores, sem grandes raios caindo do céu ou ameaças que podem eliminar a humanidade; são questões pessoais, histórias de vingança, crescimento e redenção. É justamente por este cenário que a personagem criada por David Mack e Joe Quesada consegue se destacar sem muito esforço.
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