Cate Blanchett e Alfonso Cuarón em uma das minisséries do ano
Com cara de cinema, "Disclaimer", da Apple, é um suspense sobre culpa, escolhas, luto e diferentes verdades
“Disclaimer”, nova série da AppleTV+, não é necessariamente uma obra de fácil consumo. Escrita e dirigida por Alfonso Cuarón (“Filhos da Esperança”, “Gravidade”) a partir do livro de Renee Knight, a série opta por uma narrativa que a aproxima da literatura, como se o espectador estivesse lendo o livro e imaginando aquelas cenas em sua cabeça.
Com elenco de peso, a série é centrada no talento de sua dupla de protagonistas, Cate Blanchett e Kevin Kline. Blanchett vive Catherine, uma documentarista premiada que se vê diante de um segredo que ela julgava enterrado.
A série, principalmente em seu primeiro episódio, traz linhas narrativas distintas. Acompanhamos Catherine sendo confrontada, mas também um jovem casal de viajantes na Itália, em tempos mais analógicos. Além deles, também conhecemos Stephen (Kline), um professor viúvo que, ao se desfazer das coisas da falecida esposa, encontra um livro escrito por ela.
As histórias se cruzam em uma trama sobre luto, perdas e culpa. Aos poucos vamos entendendo o que aconteceu no passado e o que está acontecendo na linha principal. Com dois episódios por semana, “Disclaimer” tem cadência interessante, nunca parada no mesmo lugar, mas contida, sem pressa para revelar seus segredos e suas viradas.
Cuarón trata os episódios como capítulos de um livro, desenvolvendo-os com agilidade para manter o espectador preso diante do que vê. A pegada literária pode incomodar no início, principalmente pela exposição, explicando como cada personagem se sente em diversos momentos, mas esse incômodo logo é superado muito em função do talento de Blanchett e Kline.
A Catherine de Blanchett carrega um peso, um fardo, o que fica claro desde o início. O acontecimento que deixou no passado moldou sua vida, sua relação com o filho Nicholas (Kodi Smit-McPhee) e com o marido, Robert (Sacha Baron Cohen). É interessante como o texto revela logo o que de fato aconteceu, fazendo com que o espectador não apenas compartilhe o peso daquilo como até crie uma certa empatia com ambos os protagonistas, mesmos em lados opostos da história.
Ainda, a escolha por uma revelação cedo abre espaço para que os sentimentos dos personagens sejam trabalhados – a série, afinal, é sobre o peso da culpa e suas consequências. Assim, quando de fato entendemos tudo, é impossível não imaginar o que teríamos feito em situação similar.
“Disclaimer”, não apenas pela condução de Cuarón, tem cara de cinema. O três vezes vencedor do Oscar Emmanuel Lubezki (“O Regresso”, “Birdman” e “Gravidade”) assina como produtor e codiretor de fotografia em uma narrativa que alterna o calor a saturação da Itália de décadas passadas com a frieza de uma Londres contemporânea.
A nova série da Apple não é perfeita, muito em função de algumas falhas também do material original, mas é um suspense tenso e pesado, uma história sobre diferentes verdades, construída com calma, entregando uma experiência bem próxima à da literatura. Alfonso Cuarón é um dos melhores cineastas contemporâneos, um roteirista que sabe ser intimista de forma simples, e um diretor que tem plena noção da necessidade de espetáculo, de um bom ritmo e de imagens marcantes.
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Parece legal!
Achando a atuação do Sasha Baron Cohen bem fraca. 🫣