"Bottoms" é inteligente, divertido e absurdo
"Bottoms", ou "Clube da Luta para Meninas", chega ao Prime Video abusando do humor absurdo
“Bottoms”, ou “Clube da Luta para Meninas” (o Prime Video parece não conseguir escolher um título), é uma comédia colegial e não tem vergonha nenhuma disso, pelo contrário. Dirigido e escrito pode Emma Seligman (do bom “Shiva Baby”), o filme lançado pela Amazon Prime Video explora todos os clichês dos filmes do gênero, da arte, que emula “Clube dos Cinco” (1985) e “A Vingança dos Nerds” (1984), à estrutura do colegial americano, mas há algo diferente.
No último ano do colegial, Josie (Ayo Edebiri, de “O Urso”) e PJ (Rachel Sennott) vivem um dilema: é impraticável que elas se formem na escola sem ter feito sexo com ninguém. As duas são lésbicas, mas não é esse o conflito do filme – na escola, os gays são populares, recebem elogios dos atletas, estão enturmados. O problema, segundo as duas, é que elas “são feias e não têm talento”; além disso, elas têm paixonites em duas das meninas mais populares da escola, Isabel (Havana Rose Liu) e Brittany (Kaia Gerber), líderes de torcida e que não parecem gostar de garotas.
Após uma breve introdução às personagens, elas se envolvem em uma confusão com Jeff (Nicholas Galitzine, de “Vermelho, Branco e Sangue Azul”), o cara mais popular da escola. Jeff é o quarterback do time de futebol americano, lindo, idolatrado, um cidadão de bem e um atleta capaz de liderar a equipe contra seus eternos rivais e, quem sabe, até chegar à NFL; além disso, é também namorado de Isabel, crush de Josie.
Para se livrar dos problemas, Josie e PJ sugerem criar um clube feminino de autodefesa, o que também seria uma oportunidade perfeita para elas se aproximarem de suas populares paixonites. O clube logo se transforma em um grande clube da luta que deixa as envolvidos cheias de marcas, mas que também lhes garante autoestima e a sensação de pertencimento que tanto buscavam.
“Bottoms: Clube de Luta para Meninas” homenageia o cinema colegial dos anos 1980, 90 e 2000, mas também o ridiculariza. Toda a estrutura social da escola é exagerada, com atletas pouco inteligentes, mas idolatrados sem precisar fazer muito esforço; Jeff é um bobão, imaturo e mimado, e todos têm ciência disso, inclusive os que o seguem para todos os cantos. Essa construção reforça o quão ridícula é a importância que esses textos normalmente dão para figuras medíocres.
De forma similar, as protagonistas não são perfeitinhas, principalmente PJ, sempre egoísta e disposta a tudo para ficar com Brittany. É curioso como o texto tem discurso feminista, mas ele acaba usado, a princípio, apenas para que as personagens façam sexo. É nessa subversão que o filme tem sua força, pois o discurso está ali e é consumido – ao ridicularizar as falas de um professor (Marshawn Lynch, improvisando tudo), por exemplo, o filme mostra a realidade das meninas. O mesmo acontece em um momento de intimidade, uma estratégia pensada pelas protagonistas para, claro, se aproximarem de seus alvos, mas que acaba sendo um ponto de fragilidade e identificação entre todas elas.
O filme lida com temas mais sérios, mas o faz com naturalidade. Assim, há relações tóxicas, indícios de abusos domésticos e violência sexual nas falas das personagens. A escolha pelo humor até meio chocante ao lidar com isso, torna esses temas mais fáceis de serem consumidos por um público não habituado a eles. Apesar disso, o texto perde a mão em algumas piadas, principalmente uma que envolve um ataque à escola, uma tirada totalmente deslocada dentro do próprio filme.
“Bottoms: Clube da Luta para Meninas” tem um ar fantasioso, muito provocado pelo já citado exagero na construção de personagens e universo, mas também potencializado por um anacronismo constante. O filme se passa no nosso presente, mas as roupas e a tecnologia remetem a décadas passadas; por exemplo, nenhum personagem usa smartphone – o mais próximo disso é um coadjuvante fazendo uma ligação com um telefone de flip.
Apesar de protagonistas adolescentes (ao menos as personagens…), “Bottoms” funciona melhor para quem capta suas referências, os clichês do gênero, a subversão de caricaturas ou do culto à masculinidade que foi criado em torno de “O Clube da Luta” (1999), de David Fincher. Ainda assim, qualquer um pode dar boas risadas com as situações absurdas e muitas vezes surpreendentes tomadas pelo filme de Emma Seligman, uma cineasta que demonstra comando de cena e atores e que logo deve estar envolvida em projetos maiores.
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