"Black Doves": ótima série da Netflix parece saída das páginas de uma graphic novel
Série de espionagem estrelada por Keira Knightley e Ben Whishaw surpreende por não se levar sempre a sério mesmo em uma trama complexa e com boas viradas
Há um grande leque disponível para os fãs de séries de espionagem, da ótima “Slow Horses”da Apple, às populares “Agente Noturno” ou “A Diplomata”, ambas da Netflix. Enquanto a série da Apple traz algum frescor, sem amarras das produções americanas e com uma estética bem menos romantizada, as produzidas pela Netflix são mais palatáveis, com apelo pop de protagonistas bonitos e tramas um pouco mais “comerciais”.
“Black Doves”, lançamento da Netflix, mistura um pouco desses dois mundos. A série criada por Joe Barton (da excelente “Giri/Haji”, que quase ninguém viu) é centrada em dois personagens parte da organização que dá título à trama. Os Black Doves são parte de uma agência não governamental que realiza ações para quem pagar mais. Helen (Keira Knightley) é uma agente profundamente infiltrada no governo britânico, enquanto Sam (Ben Whishaw) é um sicário – eles estão conectados pelo passado e demonstram um admirável senso de lealdade.
A dinâmica entre os protagonistas em diversos momentos lembra “The Americans”, mesmo que eles não sejam um casal. Há uma cumplicidade entre Helen e Sam, algo até mais profundo que um relacionamento amoroso, como se suas vidas dependessem um do outro. Isso fica claro no diálogo que os dois têm no carro, logo após ele salvá-la de um assassinato. Nas conversas entre ambos, o texto oferece profundidade de forma natural, fugindo do didatismo de obras como “Operação Lioness”, por exemplo, ou de qualquer outra escrita pelo massante Taylor Sheridan.
A série tem início quando um assassinato triplo ocorre em Londres. Entre os mortos está Jason (Andrew Koji, de “Warrior”), amante de Helen, que parte então em busca não apenas de vingança, mas também de tentar entender os motivos do crime. Helen e Sam ganham arcos pessoais, com a narrativa alternando breves flashbacks para o público entender a relação dos protagonistas e o presente, com tramas que se intrincam sem forçar a barra.
É interessante que, com uma segunda temporada já confirmada pela Netflix, “Black Doves” se permita não resolver tudo. Assim, em seis episódios, um dos arcos principais se encerra, mas há algo maior, envolvendo o alto escalão do governo britânico e relações internacionais, que provavelmente se desenvolverá na próxima leva de episódios.
“Black Doves” merece crédito por não se levar sempre a sério. Assim como “Giri/Haji”, a série de Joe Barton parece saída de uma graphic novel, com texto rápido, boas tiradas e uma pequena dose de absurdo (como a dupla de assassinas, por exemplo). Há também um tom de fantasia que exige do espectador uma certa suspensão da descrença – com tiroteios à luz do dia, muito sangue, algumas caricaturas do submundo e com a polícia incomodando apenas quando o roteiro pede.
É curioso que, mesmo quando o texto faz escolhas óbvias e aparentemente fáceis, os próprios personagens parecem perceber isso e se condenam por essas escolhas, pela ingenuidade de seus atos, quase como uma mea culpa do roteiro.
Keira Knightley e Ben Whishaw vão bem como os protagonistas, com bastante química em tela e uma relação única entre seus personagens. O texto permite alguns toques pessoais, como relacionamentos que não funcionam apenas como atrativos, mas como partes da trama - ajudando a entender Sam e dando profundidade a Helen. Quem também brilha é Sarah Lancashire, como a misteriosa chefe dos Black Doves.
Outro destaque é toda construção de um submundo do crime, algo com um toque de “John Wick” ou dos dramas de gangsteres de Guy Ritchie. Há diversos personagens que podem e merecem ser mais explorados em novos episódios, assim como regras que são apenas citadas e que podem resultar em bons conflitos.
“Black Doves”, com sua construção de universo um tanto particular, é uma ótima surpresa. A série é divertida, está sempre em movimento e traz excelentes cenas de ação, como as lutas de faca protagonizadas por Knightley. Não é tão “pé no chão” quanto alguns podem esperar, mas tampouco são as obras americanas do gênero, que disfarçam de fantasia e narrativa política estadunidense, mas é entretenimento de ótima qualidade.
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