"Berlim" é melhor que o esperado (e mais 3 dicas)
Derivado do fenômeno "La Casa de Papel", "Berlim" chega à Netflix sem vergonha de misturar cinema de assalto e bagaceira melodramática
Um dos grandes erros de “La Casa de Papel” (e são muitos) foi dar um jeito de manter Berlim (Pedro Alonso) “vivo” mesmo após sua morte na série. Líder de campo do time comandado remotamente pelo Professor, o personagem era quase um vilão na narrativa, com atitudes e escolhas problemáticas desde o início.
Quando a Netflix se tornou casa da série, após o inesperado sucesso na plataforma, afinal a segunda parte da primeira temporada não tinha funcionado na TV espanhola, os fãs inexplicavelmente pareciam gostar de Berlim. Assim, claro, Álex Pina e seu time de roteiristas deram um jeito de sempre ter o personagem em insuportáveis flashbacks para “limpar a barra” do personagem, colocando a culpa de seus atos na doença que o consumia e tornando-o um cara mais simpático.
Não demorou para a um derivado estrelado por ele ser anunciado e a última temporada de “La Casa de Papel” até oferece um gostinho em um episódio dedicado um roubo antigo. “La Casa de Papel: Berlim”, ou apenas “Berlim”, chegou nesta sexta (29) à Netflix em oito episódios que resgatam o melhor e o pior do fenômeno espanhol.
“Berlim” obviamente se passa antes dos acontecimentos da primeira temporada de “La Casa de Papel”, uma época em que Berlim ainda não havia descoberto sua doença terminal e tinha apenas duas preocupações: amar e roubar. Quando a série tem início, o protagonista está reunindo um grupo para um ousado plano em Paris, roubar joias no valor de 44 milhões de euros sem que ninguém sequer perceba.
A nova série da Netflix inicialmente parece entender a necessidade de apresentar algo novo. Assim, “Berlim” é ágil, criando um roubo diferente, sem reféns ou invasões, utilizando apenas a inteligência. Para isso, ele recruta uma equipe menor, de apenas seis pessoas de sua confiança, o que também facilita a dinâmica da série.
É fácil identificar a função de cada um no grupo e na narrativa. Os quatro jovens, Keila (MIchelle Jenner), Cameron (Begoña Vargas), Roi (Julio Peña Fernández) e Bruce (Joel Sanchez) estão destinados, desde o início, a formarem núcleos. Neste cenário, é Damián (Tristán Ulloa) quem sobra na equação, mas o personagem também ganha seu próprio arco melodramático, pois é o melodrama que torna “La Casa de Papel” algo tão fácil de ser assimilado.
Com a primeira temporada bem dividida em dois arcos, a execução do plano e a fuga, “Berlim” é muito melhor quando se oferece como uma trama de assalto. Nessa parte, que dura os primeiros quatro ou cinco episódios, a série oferece um frescor mesmo com uma estrutura familiar.
É muito interessante ver o roubo sendo executado como se fosse algo simples – ao melhor estilo “La Casa de Papel”, tudo é explicadinho durante a execução do plano, mas é tão rápido que nem dá tempo para o espectador se questionar. É nessa suspensão da descrença que “Berlim” confia, pois é claro que nada ali dura uma análise um pouco mais aprofundada do que se vê em tela.
Tecnicamente excelente, com ótimas ambientação e fotografia, “Berlim” peca no texto e o faz intencionalmente. A relação de Berlim com Camille (Samantha Siqueiros) é exagerada, mas o roteiro precisa dela para sua grande virada e também para oferecer um conforto. A série gasta tempo demais com as relações, o que não chega a ser um problema, mas é tudo muito imediato, sem desenvolvimento plausível – é apenas no final da temporada que passamos a nos importar um pouco mais com aqueles personagens. Isso se dá por muletas e vícios do texto, que abusa de coincidências e depende muito de escolhas pouco inteligentes de seus personagens para ir do ponto A ao ponto B.
Após ótima primeira parte, já entregando o que se espera de um “La Casa de Papel”, “Berlim” derrapa ao forçar uma conexão com a série-mãe. A presença de duas personagens queridas pelo público é mais do que participações especiais. Como ambas aparecem no material promocional, não é spoiler falar que as policiais Raquel Murillo (Itziar Ituño) e Alicia Sierra (Najwa Nimri) ganham as telas no terceiro ato e muito provavelmente nas temporadas vindouras.
Essa conexão, além de desnecessária, subestima um pouco a inteligência do espectador ao pedir que ele apenas desfrute a referência e ignore todos os reflexos que os acontecimentos da nova série poderiam ter na história que já foi contada. Mais uma vez, a suspensão da descrença.
Incomoda, ainda, o ritmo dos episódios finais e a estrutura deles. A impressão, lá pelo sétimo, é que esse arco não será concluído nesta temporada, mas “Berlim” acelera e sai atropelando tudo (bom senso, lógica, resolução de conflito e qualquer regra de roteiro) para entregar uma conclusão e uma recompensa.
“Berlim”, ao fim, é mais “La Casa de Papel”, e não tem nada de errado nisso. A série tem bons momentos e é divertida ao alternar inteligência e bagaceira sem nenhum pudor. Se você gostou da série original, mesmo que já estivesse cansado dos personagens, dê uma chance à nova. Caso contrário, não será “Berlim” que irá te convencer a entrar neste universo.
DICAS
1 - Violeta Foi Para o Céu (Amazon Prime Video)
Cinebiografia da artista Violeta Parra, uma das fundadoras da música popular chilena, “Violeta Foi Para o Céu” é um filme intenso do diretor Andres Wood (do ótimo “Machuca”). O filme é uma biografia não convencional que não apresenta sua biografada em um jornada do herói. Ao invés disso, o filme traz recortes, memórias e uma narrativa dispersa que se conecta com calma, ao texto e com o espectador.
2 - Sisu (HBO Max)
Quando um garimpeiro solitário encontra nazistas no remoto Norte da Finlândia, a violência é a única solução. Em seus 90 minutos, “Sisu” não se preocupa em parecer real, apenas em matar nazistas e se divertir enquanto faz isso. Ação pura, do início ao fim, e tudo bem.
3 - Druk - Mais Uma Rodada (Netflix)
Vencedor do Oscar de Filme Internacional em 2021, o filme dinamarquês estrelado por Mads Mikkelsen é uma dramédia sobre um grupo de professores de meia-idade que resolve fazer um teste: viver a rotina diária com uma boa dose de álcool no organismo.
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