A ótima "O Problema dos 3 Corpos" e mais cinco dicas
Dos produtores de "Game of Thrones", série de ficção científica da Netflix busca a grandiosidade em trama de boas reviravoltas
“O Problema dos 3 Corpos”, o livro de Cixin Liu, não me pegou. A obra de ficção científica me foi muito indicada por um amigo, mas a abandonei após algum tempo. Foi só em 2023, com o anúncio de que a Netflix preparava uma superprodução para adaptar o texto, que retomei a leitura e até entendi o hype sobre ela, mesmo que não tenha sido totalmente fisgado.
“O Problema dos 3 Corpos”, a série da Netflix, explora bem as qualidades do livro de Liu, mas também dá espaço para seus defeitos. Ao contrário da série chinesa que também adapta o livro, a produzida pela David Benioff e D. B. Weiss em seu primeiro trabalho relevante desde “Game of Thrones”, toma liberdades e torna tudo mais “palatável”, o que talvez seja ótimo para público da plataforma.
A série tem início em 1966, no início da Revolução Cultural Chinesa, e acompanhamos execuções de “traidores” em praça pública, entre eles, está o professor de física Ye Zhetai (Perry Yung), acusado de ensinar a teoria da relatividade, de não negar a existência de um deus (não há evidências disso) e de, talvez, ter ajudado os EUA. A massa o trata como um traidor, mas, no meio da multidão, está Ye Wenjie, filha do professor e também uma acadêmica.
A série dá um salto temporal para a Londres dos dias de hoje, onde conhecemos o detetive Da Shi (Benedict Wong) às voltas com algumas mortes misteriosas, todas envolvendo físicos de enorme potencial. Também conhecemos um grupo de jovens físicos talentosos às voltas com a morte de uma amiga, também física. O mundo da série em 2024 não parece ser um lugar muito seguro para físicos…
“O Problema dos 3 Corpos” introduz os personagens gradualmente – e são muitos, cada um com sua devida importância na trama. Ao levar quase toda a ação contemporânea para Londres, a série se torna mais global, deixando os flashbacks situados na China ao longo de muitos anos. É nessas voltas no tempo que a série vai aos poucos se revelando, ganhando camadas e, principalmente, argumentos para suas reviravoltas.
Sem entrar muito na trama, para não estragar nenhuma surpresa, dá para dizer que “O Problema dos 3 Corpos” opta por caminhos nem sempre fáceis, o que é um grande mérito. Após alguns acontecimentos no primeiro episódio, a série desacelera para que possamos conhecer e nos envolver com os personagens, mas o resultado é apenas razoável.
A verdade é que a série tem muitos personagens, tornando até difícil identificar um protagonista. A maior parte do tempo é gasta com o plural grupo de jovens físicos formado por Auggie (Elza González), Jin (Jess Hong), Will (Alex Sharp), Jack (John Bradley) e Saul (Jovan Adepo) – a diversidade cultural do grupo é uma acertada escolha da Netflix, uma plataforma global.
É muito interessante como a série introduz novos personagens com frequência, e eles podem tanto ser aproveitados pelo texto quanto serem sumariamente eliminados algum tempo depois. Esse, inclusive, é um dos grandes méritos da série, fazer com que o espectador tema pelo destino daqueles personagens. Quando Auggie começa a enxergar a contagem regressiva, por exemplo, a tensão cresce com ela, pois já vimos o que pode acontecer a partir daquele momento. Protagonistas à parte, o resto do elenco é ótimo, com vários egressos de “Game of Thrones” e personagens bem construídos, mesmo que subaproveitados.
Outro ponto que merece destaque é o lado humano do texto. Ao lidar com a possibilidade de um fim do mundo não tão próximo, a série contrasta esse aspecto com a proximidade de um dos protagonistas com a morte – por que ele e seus amigos deveriam se importar com algo tão distante quando há uma urgência em cena? É muito interessante como o texto antagoniza essas realidades com um falso senso de urgência, fazendo o espectador questionar o que importa mais naquele momento.
A série perde urgência quando parte para uma espécie de mundo virtual, uma muleta do texto para explicar o que está, de fato, acontecendo naquele mundo. Em alguns momentos, “O Problema dos 3 Corpos” parte para um didatismo até necessário, mas ainda assim incômodo. Ainda assim, a série segue sempre em uma crescente daquele problema inicial – lá pelo quarto episódio você nem se lembra mais da contagem regressiva ou de outros conflitos iniciais, pois o texto permanece em movimento constante.
“O Problema dos 3 Corpos” é uma série ambiciosa e com vocação para a grandiosidade, tal qual os livros de Cixin Liu. A questão é saber se a Netflix bancará uma série cara (custa cerca de US$ 20 milhões por episódio) durante mais temporadas para adaptar também os outros dois livros do autor. Caso o faça, em três ou até mais temporadas, “O Problema dos 3 Corpos” tem tudo para se tornar uma das grandes obras de ficção científica dos últimos anos, mas ela ainda corre o forte risco de ser cancelada após uma única temporada.
DICAS
Pobres Criaturas (Star+)
Um dos melhores (talvez o melhor) filmes da temporada de premiações e vencedor de quatro Oscars, “Pobres Criaturas” chega ao Star+ em alta. O filme de Yorgos Lanthimos, estrelado por Emma Stone e Mark Ruffalo, é uma comédia sensível, com uma boa dose de esquisitice, uma assinatura do diretor, e um universo rico em detalhes. Um filme com linguagem moderna e texto atual mesmo esbanjando um anacronismo estético. Imperdível.
O Pianista (Netflix)
Um dos grandes casos de se separar o autor, Roman Polanski, da obra, “O Pianista” é a história de um pianista polonês que vê Varsóvia mudar à medida que a Segunda Guerra, e as tropas de Hitler, avançam, precisando se esconder de todos para sobreviver nos guetos. O filme estrelado por Adrien Brody (vencedor do Oscar), ainda tem outras duas estatuetas: Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Direção. Se ainda não viu, é imperdível.
Manhunt - O Último Ato (AppleTV)
A nova série original da Apple traz o resgate histórico de um dos principais acontecimentos da história dos EUA, o assassinato no então presidente Abraham Lincoln. Minissérie em sete episódios (dois já estão disponíveis), “Manhunt” não é sempre boa, mas, quando acerta, funciona muito bem. Como o destino final de boa parte dos personagens já é conhecido, a série usa saltos temporais, construção política e questões pessoais para manter o interesse do espectador.
Fuga para a Liberdade (Netflix)
O cineasta Taika Waititi (“Thor: Ragnarok”) hoje é um grande nome da indústria, mas nenhum trabalho seu supera o encanto de seus primeiros filmes, “O que Fazemos nas Sombras” (2014) e “Fuga para a Liberdade” (2016). A dramédia estrelada por Sam Neill é engraçada, divertida e cheia de afeto na história de um jovem da cidade que acaba vivendo uma aventura no meio da floresta ao se recusar a voltar para o serviço de adoção. Filme para emocionar e divertir.
A Idade Dourada (Max)
“A Idade Dourada” é uma série em que incrivelmente pouca coisa acontece, mas, ainda assim, uma obra da qual não é fácil se desligar. Situada na Nova York dos anos 1880, a série lida com os dilemas da alta sociedade novaiorquina com o conflito entre famílias de herdeiros e os novos ricos que fizeram fortuna na época. Com um ritmo sempre agradável e desenvolvendo conflitos aos poucos, a série é engraçada e, principalmente, tem ótimos personagens.
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