A melhor série que ninguém vê
Estrelada por Gary Oldman, "Slow Horses" tem ótimo texto e um humor que satiriza e homenageia o glamour da espionagem
É óbvio que quando falo que “ninguém vê” “Slow Horses”, essa afirmação não pode ser interpretada literalmente. A série da Apple, afinal, está em sua terceira temporada, então alguém além de mim com certeza a assiste. O comentário vem de que, apesar das críticas positivas desde a primeira temporada (e das diversas vezes que a recomendei), a série ainda continua pouco comentada, um “segredo bem guardado” talvez pelo fato de ter uma temática mais adulta e por estar numa plataforma não tão popular.
Baseada nos livros de Mick Herron e comandada pelo oscarizado Gary Oldman, “Slow Horses” acompanha alguns agentes do serviço de inteligência doméstico britânico, o MI-5. Distante do glamour da espionagem britânica, a equipe comandada por Jackson Lamb (Oldman) é formada pelos párias, agentes que pisaram na bola em missões importantes, com problemas de comportamento, uso frequente de drogas… A começar pelo próprio Lamb, um agente de talento inquestionável, mas que sucumbiu ao álcool e se cansou do mundo burocrático da agência.
O espectador é apresentado ao mundo da Slough House (a central dos tais “cavalos lentos”) pela perspectiva de River Cartwright (Jack Lowden), agente promissor, neto de uma lenda da agência, mas que vemos falhar nos minutos iniciais da série. A partir daí, a equipe de Lamb se vê envolvida quase por acaso em uma investigação sobre o sequestro de um rapaz e tudo se desenrola.
As duas primeiras temporadas de “Slow Horses” são ótimas e mostram uma série de espionagem como não vemos com frequência. Os protagonistas não são heróis bonitões ou de moral intocável, passando muito longe, por exemplo, de produtos pasteurizados como as até boas “A Diplomata” e “Recruta”, ambas da Netflix. Os espiões da série da Apple ocupam um escritório sujo, pequeno, disfuncional como a própria equipe de Lamb.
Em apenas seis episódios por temporada, a série está sempre em movimento, com conflitos se acumulando enquanto a trama principal se desenvolve. Aos poucos, vamos nos afeiçoando àquelas pessoas, entendendo suas falhas e temendo por eles – “Slow Horses” deixa claro que ninguém está seguro.
Com a terceira temporada atualmente em andamento (episódios novos sempre às quartas), “Slow Horses” é muito mais próxima de uma história de espionagem possível, com ação realista e tensão construída em cima disso, na possibilidade de que algo similar aos conflitos do filme acontecessem na vida real.
“Slow Horses” é uma excelente série de espionagem, mas é também uma história cheia de arcos de redenção, pois todos os personagens buscam algo, querem provar não serem merecedores daquilo. Essa característica é curiosa, pois é justamente na dinâmica entre os agentes “de segundo escalão” que eles encontram uma espécie de pertencimento, um pouco torto, é verdade, mas, ainda assim, com aquela sensação de fazer parte de algo.
Nessa busca por redenção, é impossível que o espectador não se relacione com aquelas histórias de pessoas subestimadas, do azarão que pode salvar o dia. A diferença entre os “cavalos” e os agentes “chiques” do MI5 é gritante, com a equipe liderada por Diana Taverner (Kristin Scott Thomas) servindo de contraponto aos protagonistas. Enquanto Lamb é sujo, com cabelo desgrenhado, roupa amassada e com aspecto não muito higiênico, Diana é impecável, o epítome da elegância britânica. É interessante como o texto constrói os dois antagonizando-os, mas também como pares, como pessoas de trajetórias parecidas e talentos similares, mas separados por um detalhe crucial.
“Slow Horses”, ainda, é muito engraçada, com vários arcos que parecem saídos de “The Office”, guardadas as devidas proporções, ou de alguma outra comédia de local de trabalho. O texto é impecável, com diálogos rápidos e sempre interessantes. Além disso, a série cria boas cenas de ação não a partir de pirotecnia, mas com efeitos práticos e uma excelente montagem.
A série da Apple é uma sátira aos dramas de espionagem cheios de pompa, mas é também uma homenagem a eles. Com roteiros redondos e boas reviravoltas, “Slow Horses” é cômica em cima de personagens bem escritos e de uma atuação espetacular de Gary Oldman. É uma série certeira e enxuta, que não enrola o espectador e conquista tanto pelo (anti)carisma dos personagens quanto pelo suspense.
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Queria ver, mas Apple….