A divertida "Bodkin", da Netflix, e mais dicas realmente imperdíveis do streaming
"Bodkin" homenageia e critica os podcasts de crime em uma trama que mistura comédia e suspense em um canto remoto da Irlanda
É muito fácil identificar “Only Murders in the Building” como a grande influência de “Bodkin”, nova série da Netflix, logo em seus primeiros momentos. A série criada por Jez Scharf, em seu primeiro grande trabalho, brinca com a saturação do mercado de podcasts de crimes ao mesmo tempo em que trata das transformações do jornalismo profissional – seria o podcaster um jornalista ou apenas um “entertainer”?
“Bodkin” tem início quando Dove (Siobhán Cullen), uma jornalista investigativa do renomado “The Guardian”, encontra uma importante fonte morta em casa. O caso vira um escândalo e, para afastá-la do burburinho dos tabloides londrinos, seu editor a envia para a pequena Bodkin, na Irlanda, onde um podcaster americano pretende “investigar” o não solucionado desaparecimento de três jovens há 25 anos.
O podcaster é Gilbert (Will Forte), que estourou com um true crime de sucesso e está em busca de sua próxima grande história. Seu perfil, boa praça, querendo se enturmar e fazer tudo pelos caminhos oficiais, contrasta imediatamente com o de Dove, uma jornalista sisuda, acostumada a investigar por conta própria, a buscar sempre as histórias marginais para contar o arco principal. Com eles ainda há Emmy (Robyn Cara), uma jovem produtora que faz o elo entre gerações e estilos distintos.
É óbvio que, quando eles começam a cavucar a história, muita coisa aparece, como se todos em Bodkin tivessem algo a esconder. É nesse momento que o impetuoso faro jornalístico de Dove de enxergar possibilidades faz a diferença, mas ela carece do carisma e do lado humano de seu novo colega.
“Bodkin”, a série, se constrói nas diferenças não apenas entre os personagens, mas também culturais. A princípio, a pequena cidade irlandesa e seus moradores são caricatos, exatamente como seriam se pedissem para alguém que nunca foi a Irlanda descrevê-los.
A caricatura, no entanto, rende boas possibilidades para explorar o humor de estadunidense ingênuo de Will Forte – com o tempo, porém, percebemos que ela está ali mais para esconder quem, de fato, são aquelas pessoas. Se Gilbert quer contar a história que seu público quer ouvir, por que não entregar a ele as caricaturas que ele quer ver?
O texto de “Bodkin” é esperto, inteligente, sempre indicando pistas para o mistério investigado, mas raramente subestimando a inteligência do espectador com coincidências e viradas pouco plausíveis. A série até brinca com isso no ótimo quinto episódio (de sete), quando conecta tudo o que o episódio anterior parecia usar como muleta. A montagem é ótima e ajuda na construção da narrativa, colocando o espectador ao lado do trio de protagonistas na investigação.
“Bodkin” é também uma série engraçada, com situações improváveis e algumas piadas, tanto físicas quanto de falas, que funcionam muito bem. Assim, mesmo no momento em que parece dar uma derrapada, ela garante no mínimo algumas boas risadas.
O lado mais “sério” da série está justamente em criar oposição entre o velho e o novo, entre os costumes do Velho Mundo (a Europa) apresentados a um estadunidenses, alguém que veio do Novo Mundo. Da mesma forma, com o jornalismo no centro da questão, Gilbert e Dove se desenvolvem, aprendem um com o outro, ele buscando ser mais impetuoso e ousado em sua busca pela história, já ela, aprendendo a lidar com o aspecto humano das narrativas que constrói.
Ao fim, com sete episódios e um arco fechado que possibilita novas histórias, mas sem deixar nenhum gancho da trama que conta, “Bodkin” é uma boa surpresa. A mistura de diferentes estilos de humor, a influência das narrativas modernas de “whodunit” e a compreensão de que não é preciso enganar o espectador em uma trama de mistério fazem do lançamento da Netflix uma obra bem acima da média da plataforma.
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DICAS
Sugar (AppleTV)
Estrelada por Colin Farrell, a série é uma história de detetive noir situada na ensolarada Los Angeles. Sugar é um detetive particular, apaixonado por cinema, contratado para investigar o sumiço da neta de um poderoso produtor de Hollywood. A série é esteticamente muito interessante, com um bom ritmo e algumas boas surpresas pelo caminho, uma obra bem diferente da maioria do que é lançado nos últimos tempos.
Segredos de um Escândalo (Prime Video)
Filme do excelente Todd Haynes (“Carol”) tem Julianne Moore e Natalie Portman como protagonistas, o que já garantiria no mínimo o interesse. O texto acompanha uma jovem atriz que vai passar um tempo com um casal que outrora era uma sensação para estudar sua personagem antes da cinebiografia dela. Toda pesquisa vai desenterrar segredos e abrir algumas portas que deveriam permanecer fechadas pelo tempo.
Todos Nós Desconhecidos (Star+)
Um roteirista começa a se relacionar com seu vizinho em um romance que lhe abala as estruturas. Ele então é levado pelas memórias à vida suburbana para encontrar seus pais, mortos há 30 anos, vivendo como se ainda tivessem a idade da época da fatalidade. Um romance fantasioso, bonito, sensível e também meio assustador.
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Vou assistir amanhã!!!